Com cerca de 3,8 mil habitantes, a localidade no condado de Dorset, na Inglaterra, foi projetada para ser caminhável, ter uso misto das edificações e adotar soluções sustentáveis. Olhando para o passado para projetar o futuro, Poundbury foi planejada para priorizar os indivíduos e ter uma arquitetura única.
Instalada em uma área de 400 acres (1.618.744 metros quadrados), a pequena comunidade de Poundbury voltou a ganhar visibilidade desde que o seu idealizador e principal defensor tornou-se rei da Inglaterra, em setembro deste ano. Uma extensão urbana da cidade de Dorchester, no condado de Dorset, a localidade está sendo erguida a partir da visão arquitetônica do agora rei Charles III e de conceitos do Novo Urbanismo, movimento que incentiva o desenvolvimento de lugares em escala humana, densos, com design centrado nas pessoas e não nos carros e espaços pensados em como os usuários irão utilizá-los.
Em 2023, Poundbury completa 30 anos mostrando vitalidade e atraindo famílias jovens e com crianças para a região e moradores de diferentes idades e faixas de renda, somando uma população de cerca de 3,8 mil cidadãos que vivem na área, que possui atualmente 207 empresas que geram mais de 2,3 mil postos de trabalho, conforme dados do Ducado da Cornualha, fundo de terras estabelecido pelo rei Eduardo III no século 14 para financiar o herdeiro da coroa britânica e que é proprietário do terreno destinado para a criação da comunidade. Iniciadas em 1993, as obras da localidade devem ser concluídas em 2026, ocupando 250 acres (1.011.715 metros quadrados) com construções de uso misto e 150 acres (607.029 metros quadrados) com paisagismo para o lazer, preservação ambiental e lotes para a agricultura.
Crítico contundente da arquitetura e dos empreendimentos modernistas da Grã-Bretanha e dos seus impactos nos municípios, o rei Charles III acredita que é preciso olhar para o passado para projetar o futuro, tirando o foco dos automóveis das decisões urbanísticas, colocando os indivíduos em primeiro plano e introduzindo soluções ecológicas. Acusado por profissionais e analistas do segmento de “querer voltar o relógio para uma Idade de Ouro”, como recorda o então príncipe de Gales em artigo da Architectural Review, o soberano sustentou que era necessário um retorno aos princípios clássicos do design para que o crescimento das regiões seja sustentável e atenda às demandas de seus residentes.
Pensamento esse que foi traduzido no planejamento de Poundbury, que teve o seu masterplan concebido pelo arquiteto de Luxemburgo, Léon Krier, um entusiasta do Novo Urbanismo, como salienta matéria da revista The New Yorker. Ser um lugar caminhável, contar com moradias, serviços públicos, comércio e outros estabelecimentos juntos, promovendo o uso misto das edificações, ter uma arquitetura que gere beleza e reflita o caráter e a identidade do local e oferecer habitações acessíveis integradas em todos os empreendimentos sem diferenciação das casas privadas são as diretrizes que orientaram o projeto da comunidade.
As construções, ressalta a The New Yorker, precisam seguir um rígido código que fomenta o emprego de “materiais tradicionais e regula a forma de edificação e as cenas de ruas”. O resultado dessas regras, descreve a reportagem, é uma área com prédios baixos e erguidos com uma mistura de estilos, como o georgiano, clássico, de vilas italianas e de residências de campo. Essa característica fez com que Pondbury já fosse apelidada de “Disneylândia feudal”, cenário de filme e até mesmo de “falsa, sem coração, autoritária e terrivelmente fofa” pelo designer Stephen Baylen, cita a revista.
No entanto, análises e matérias mais recentes na imprensa britânica, como artigo do The Guardian, assinalam o sucesso do uso misto na região, aliando habitações a clínicas médicas e veterinárias, escritórios de advogados e contadores, cafés, pubs, fábricas de chocolate e de cereais, startups, lojas de vestidos de noiva, cortinas e bicicletas elétricas. Segundo o jornal, dois terços desses estabelecimentos eram dirigidos por mulheres na época. Em vez de uma rua principal com comércio e gastronomia, a localidade tem esses negócios espalhados pelas ruas, com mesas ao ar livre que se estendem para a praça, detalha artigo do Architect Magazine.
Ainda de acordo com a publicação, a escala da comunidade fica maior e mais densa nas áreas mais recentes, com “fileiras de casas geminadas, pequenos edifícios de apartamentos e blocos de escritórios”. O ponto mais elevado do lugar, que fica em uma colina, é a Queen Mother Square, praça batizada em homenagem à avó do rei Charles III e que tem em seu entorno prédios residenciais e comerciais de quatro e cinco andares.
Idealizada para proporcionar moradia, trabalho e lazer
Quando for concluída, a previsão é que Poundbury chegue a 5,8 mil residentes, indica o Ducado da Cornualha. Sua construção foi planejada em quatro etapas, sendo o centro da primeira a praça Pummery e o Buttermarket o ponto principal da fase dois. Já a Queen Mother Square é a região central dos dois últimos bairros da localidade, que conta ainda com o Great Field, um ambiente verde com mais de 26 mil arbustos, 450 árvores e área de recreação infantil, que foi entregue aos residentes em 2020.
As obras estão sendo realizadas por diferentes desenvolvedores que trabalham com arquitetos de lugares próximos e de Londres, cada um deles responsável por um número específico de imóveis para garantir a diversidade arquitetônica, relata artigo da Architect Magazine. Outras características de Poundbury apontadas são a inexistência de recuos das edificações, que chegam até a calçada, trazendo mais dinamismo para as ruas, e o fato de o layout dos prédios determinar o padrão das vias e não o contrário. “As estradas são apenas uma maneira de se locomover, não uma armadura dentro da qual os edifícios devem se encaixar perfeitamente, como é o caso da maioria das comunidades planejadas”, enfatiza o texto.
Além disso, a localidade não tem marcações ou sinalizações nas ruas ou zonas de pedestres, uma vez que ela é toda pensada para as pessoas, cabendo aos motoristas se ajustarem ao espaço e movimentação dos habitantes. Mesmo assim, foram instalados mecanismos para reduzir a velocidade dos carros a cada 70 metros. O desenho do espaço urbano também é destacado por ser incomum, com um labirinto de vias “com curvas, vielas tortas e intercaladas por pequenos quadrados, muito parecido com a navegação pelo centro de uma cidade medieval”, compara a revista. A publicação avalia que, apesar de algumas críticas, Poundbury incorpora inovações sociais, econômicas e de planejamento.
A inclusão da moradia acessível no projeto, com 35% das unidades destinadas para o aluguel de inquilinos de baixa renda ou para propriedades compartilhadas (que permite a compra de parte de uma casa por quem não teria condições de pagar uma hipoteca pelo valor total de mercado), é uma das estratégicas listadas pela Architect Magazine. O diferencial dessa medida é que esses imóveis não ficam separados dos demais e são feitos com materiais e estilos semelhantes aos de seus vizinhos. O arquiteto Richard Voss escreveu em artigo do Urban Design Forum que a “alta densidade da comunidade proporciona ambientes atrativos, onde os indivíduos podem viver, trabalhar, fazer compras e se divertir”.
Uma relação de longa data com a arquitetura e as questões ligadas à sustentabilidade
O interesse do rei Charles III pela arquitetura tornou-se público nos anos 1980, quando ele participou de um documentário da BBC, rede de rádio e televisão do Reino Unido, mostrando a sua opinião sobre as construções modernistas, como lembra reportagem da The New Yorker. O programa, veiculado em 1988 e chamado de “A Vision of Britain (Uma Visão da Grã-Bretanha)”, foi transformado em livro no ano seguinte e virou uma exposição no museu Victoria e Albert, em Londres.
Ainda na década de 1980, o então príncipe de Gales abriu a Prince’s Foundation for Building Community – hoje Prince’s Foundation – para oferecer cursos e treinamentos em artes tradicionais, design, engenharia, bem-estar e atuar na revitalização de comunidades, como acrescenta matéria produzida para o portal do Somos Cidade. Uma das declarações de maior repercussão de Charles III foi feita durante o 150º aniversário do Royal Institute of British Architects, quando atacou a proposta modernista de extensão da National Gallery, em Trafalgar Square, na capital inglesa. Ele se referiu ao projeto como “um carbúnculo monstruoso no rosto de um amigo muito amado e elegante”, como frisa reportagem da BBC. Sua oposição levou ao cancelamento da obra e outro plano foi elaborado.
A sustentabilidade e os reflexos das mudanças climáticas são outros temas importantes para o rei, que introduziu algumas soluções ecológicas no planejamento de Poundbury. A implementação de um digestor aeróbico em grande escala e uma usina de biometano conectada à rede do país é um exemplo. Viabilizada pelo Ducado da Cornualha por meio de uma joint venture com agricultores locais, a estrutura fornece 100% de gás biometano gerado a partir de fontes renováveis oriundas das colheitas e tem capacidade para aquecer a comunidade e até 90 mil residências do distrito de West Dorset.
Os benefícios ambientais abrangem também transporte público elétrico (ônibus) e a capacidade de os veículos serem carregados com energia em todas as garagens das moradias desde 2017. Além disso, as habitações são termicamente eficientes e contam com pomares e vegetação e, por ser um lugar caminhável, Poundbury estimula uma rotina mais saudável, o que traz qualidade de vida para os seus residentes.
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