Shabbificação

A valorização e a desvalorização das áreas de um município ao longo dos anos são situações comuns nas localidades, que veem suas comunidades passarem por diferentes cenários conforme mudam suas realidades sociais, econômicas e culturais. Apesar de lados opostos da moeda, shabbificação e gentrificação caminham juntas.

Tanto a Shabbificação quanto a gentrificação são naturais em uma cidade. Em todo o momento existem partes da cidade que estão se valorizando e outras que estão se desvalorizando. Nenhuma cidade é estática.

Quando uma parte da cidade recebe investimentos públicos que melhoram a qualidade de vida, seus imóveis se valorizam, num processo natural e que deve ser incentivado e não combatido, como fazem normalmente os planejadores urbanos contrários à Gentrificação.

É desejável que os bairros mais carentes recebam investimentos e as pessoas que moram ali tenham seus imóveis valorizados, atraindo pessoas de classes sociais mais abastadas. A decisão sobre permanecer morando nesse local ou vender seu imóvel valorizado com lucro deve ser de cada pessoa.

Por outro lado, existem inúmeras partes da cidade onde ocorre o processo inverso. Essas regiões costumavam ser mais afluentes e entram em um processo de decadência que gera a desvalorização de seus imóveis, atraindo com isso pessoas de classes sociais mais baixas.

O nome desse processo se chama Shabbificação e é muito pouco estudado e comentado pela comunidade acadêmica, que focam sua atenção no combate à mudança de pessoas mais ricas para localidades mais pobres.

As cidades estão em constante transformação, como um organismo vivo que vai se adaptando e respondendo às modificações que acontecem no seu entorno. Nessa movimentação permanente, bairros de diversos municípios podem vivenciar momentos de qualificação e de deterioração durante sua existência, com alterações no tipo de construções, negócios e opções de lazer e também no perfil dos moradores. No Brasil, 33% dos habitantes projetam trocar de residência entre 2023 e 2024 e a principal razão para isso é o sonho da casa própria. As informações são de pesquisa do Datafolha encomendada pela QuintoAndar, startup de compra e aluguel de imóveis, ressalta matéria do portal g1.

O levantamento, que abrangeu 3.186 entrevistados com mais de 20 anos de todas as regiões do País, revela ainda que entre os motivos para buscar um novo lar estão projetos pessoais (36%), características da unidade (27%), má localização ou não gostar da comunidade (18%) e preço alto (4%). Estudo realizado pela engenheira civil e professora Maria Carolina Gomes, da Universidade Federal de Goiás (UFG), aponta que um brasileiro, em média, muda de moradia cerca de sete vezes na vida, seja por causa de trabalho, estudos, casamento, filhos ou divórcio.

Esse dinamismo é acompanhado pelas cidades, que veem os reflexos da gentrificação e da shabbificação modificarem as particularidades de muitos bairros através, respectivamente, da valorização de determinadas áreas devido à edificação de novos complexos, em geral de luxo, e da degradação de outras por falta de investimentos para manter os prédios e de incentivos para a construção de mais habitações. Enquanto o primeiro termo é bastante conhecido e abordado nas discussões sobre o futuro das localidades, pouco se trata sobre o segundo.

A expressão shabbificação vem da palavra em inglês shabbification (Shabby significa algo velho, em más condições) e foi usada pelo vice-presidente de pesquisa e publicações do Manhattan Institute e editor colaborador do City Journal, Howard Husock, em artigo divulgado em 2019 para alertar sobre os efeitos que a nova legislação de estabilização dos aluguéis do município de Nova York (EUA), aprovada naquele ano, poderia ter na manutenção dos estoques de residências controladas da cidade – que reúnem cerca de 1 milhão de unidades e 2,4 milhões de pessoas. De acordo com ele, a shabbificação – que classificou como o oposto da gentrificação –  apareceria conforme o parque de moradias fosse se deteriorando, consequência da falta de recursos dos proprietários para aprimorar os imóveis, desencadeando uma piora em todo o entorno, com o fechamento de comércios e descuido com os espaços públicos.

Em junho de 2022, o Conselho de Diretrizes de Aluguel (RGB, na sigla em inglês) de Nova York, órgão que limita o quanto os donos dos imóveis podem elevar o valor das locações, autorizou um aumento de 3,25% nos aluguéis estabilizados com contrato de um ano e de 5% nos de dois anos, como salienta reportagem da revista Reason. O incremento, o maior em torno de uma década, foi visto como insuficiente pelo Programa de Melhoria da Habitação Comunitária, associação comercial que representa os proprietários de prédios com locações controladas. Levantamento feito pela entidade reforça que a elevação cobre menos que a metade do aumento de 8% nos custos operacionais que os donos de edificações possuem.

Esse panorama, descreve a matéria, leva tanto ao declínio das habitações existentes como à redução da oferta de unidades, pois muitos proprietários acabam retirando os seus apartamentos do mercado por causa do baixo retorno dos aluguéis e do crescimento dos custos gerais, como imposto predial, seguro, água e combustível. A Pesquisa de Habitação e Vacância de 2021 indicou que havia em Nova York 42 mil residências com locação estabilizada desocupadas, aumentando o preço dos aluguéis e de venda dos imóveis e piorando o acesso de um grande número de indivíduos à moradia. 7

 

Gentrificação: o outro lado da moeda

Assim como a desvalorização de uma área (a shabbificação), seja por falta de incentivos ou de políticas públicas ou pela mobilidade de seus residentes por razões pessoais, econômicas ou sociais, faz parte da dinâmica dos municípios, a qualificação de comunidades também é uma realidade em algumas regiões. O termo gentrificação foi utilizado pela primeira vez, em 1964, pela socióloga, planejadora urbana e criadora do Centro de Estudos Urbanos da Universidade College London, Ruth Glass, no livro “London: Aspects of Change (Londres: Aspectos da Mudança)”, para relatar os resultados das alterações demográficas em ambientes urbanos, explica artigo da Universidade de Londres.

Ela analisou a movimentação que acontecia naquele momento, com o retorno da classe média para o Centro da capital da Inglaterra, acrescenta reportagem da CNN. O assunto ganhou relevância nos Estados Unidos a partir da década de 1970 entre acadêmicos e planejadores urbanos. Com a expansão das cidades norte-americanas e a disseminação dos subúrbios entre os anos 1950 e 1970, complementa a matéria, as áreas centrais dos municípios entraram em decadência até voltarem a chamar a atenção de artistas e da classe média, resultando em uma revitalização desses espaços e uma modificação do perfil dos negócios e moradores ali presentes.

Ainda segundo a CNN, a gentrificação atualmente é empregada para falar de bairros tradicionais ou centrais que recebem novos empreendimentos, voltados na maioria dos casos para habitantes de renda mais alta. As construções mais recentes acabam atraindo outros comércios, oportunidades de emprego, comodidades e residentes com maior poder aquisitivo para as comunidades. No entanto, uma das principais críticas feitas à gentrificação, a de que ela eleva os preços dos imóveis e desloca a população mais pobre daquela região, é rebatida por diversos estudos que identificaram que a introdução de mais moradias não encarece os valores das propriedades próximas.

A economista da empresa Moody’s Analytics, Xiaodi Li, afirma em sua pesquisa “Do New Housing Units in Your Backyard Raise Your Rent? (Novas Unidades Habitacionais no seu Quintal Elevam seus Aluguéis?)”, publicada no Jornal de Economia Geográfica da Oxford Academy, no final de 2021, que o acréscimo de residências diminui ou desacelera o aumento dos valores das locações que ficam até 152,4 metros de distância, como destaca matéria do Somos Cidade. Já a também economista Kate Pennington verificou, no levantamento “Does Building New Housing Cause Displacement? The Supply and Demand Effects of Construction in San Francisco (A Construção de Novas Moradias Causa Deslocamento? Os Efeitos da Oferta e Demanda da Construção em São Francisco – EUA)”, de 2021, que o risco de deslocamento de pessoas caiu em 17,1% a 100 metros do lugar onde edificações estavam sendo erguidas.

A palavra gentrificação recebeu, com o passar do tempo, uma conotação negativa, como cita artigo divulgado pelo The Economist, impedindo a discussão sobre os benefícios que ela pode trazer para bairros deteriorados. Entre as vantagens do fenômeno, que ocorre com a construção de prédios em uma comunidade já estabelecida, listadas pelo jornal estão a elevação da arrecadação de impostos com as novas operações comerciais, mais clientes para os estabelecimentos, com maior poder aquisitivo para consumir, e a redução dos custos e do tempo para a locomoção, uma vez que os residentes encontrarão o que precisam mais perto de casa. Além disso, existe uma melhora na segurança, com mais indivíduos circulando a pé ou de bicicleta.

Entender como beneficiar a maioria dos habitantes atuais e futuros dos bairros é um dos desafios da gentrificação

O Museu de Arte Contemporânea de Massachusetts (MASS MoCa) transformou a realidade da pequena cidade de North Adams, tornando-se um exemplo de como a gentrificação pode contribuir para a recuperação de um lugar, exemplifica reportagem publicada pela CNN. A comunidade, que vivia um processo de desindustrialização, viu a sede da antiga fábrica de eletricidade do município ser ocupada pelo MASS MoCa, que virou um destino artístico e cultural.

Cerca de 34,4 milhões de dólares foram injetados na economia local pelo museu, em 2015, atraindo turistas e criando novas oportunidades de emprego e de negócios para seus moradores, informa a matéria. “A gentrificação é normal e não deve ser combatida. Não se pode impedir a valorização de um lugar”, reforça o coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador e presidente de honra da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit), Felipe Cavalcante.

O economista Joe Cortright, presidente da Impresa, companhia de consultoria especializada em análises econômicas regionais, inovação e clusters industriais, escreveu em artigo no City Observatory, no qual é colaborador, que o “desafio dessa mudança urbana que as pessoas chamam de gentrificação não é pará-la, mas descobrir maneiras de garantir que ela produza benefícios, se não para todos, para uma ampla gama de residentes atuais e futuros do bairro”. Em seu texto, Cortright faz uma reflexão sobre o assunto e argumenta que é preciso ir além de reclamar dos “sintomas das modificações, e olhar mais profundamente para entender as causas e desenvolver políticas que irão minimizar seus reflexos negativos”, como frisa reportagem sobre gentrificação do Somos Cidade.

Para ele, o problema de fato é o que chama de “escassez de cidades”, o que cria dificuldades de acessibilidade e de deslocamento, uma vez que existem poucas áreas urbanas boas e faltam imóveis para atender à demanda daqueles que querem morar nessas regiões com infraestrutura qualificada. A solução proposta por Cortright é construir mais habitações e comunidades com melhores condições para se alcançar a meta de ter municípios inclusivos e mais justos. O economista defende ainda que é uma ilusão sugerir que os bairros seguirão inalterados, especialmente os de baixa renda. Ele descreve que as localidades e comunidades são estruturas sociais vivas, em estado permanente de mudança, que pode ser lenta e difícil de perceber ou rápida e de fácil identificação, como quando novos empreendimentos são construídos. 

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