Shabbificação

Parklets, jogos pintados nas ruas e minibibliotecas implementadas de maneira temporária ou permanente onde antes havia carros estacionados. Essas são algumas das iniciativas que podem ser desenvolvidas através do urbanismo tático para que os ambientes sejam mais convidativos para o público infantil.

Calçadas estreitas, parques e praças malconservados e vias sem sinalização e planejadas para privilegiar a circulação rápida de veículos deixam os municípios menos preparados para atender às necessidades de crianças, idosos e pedestres em geral. Sem espaço para as brincadeiras e o convívio social ao ar livre, as áreas públicas perdem dinamismo, ficam mais inseguras e acabam não sendo utilizadas. O urbanismo tático vem ajudando, nas últimas décadas, a transformar lugares em desuso ou ocupados por automóveis através de intervenções rápidas, simples, flexíveis e de baixo custo.

Associações, organizações não governamentais (ONGs) e as próprias comunidades podem promover ações efêmeras ou contínuas em seus bairros para qualificar as regiões. Geralmente efetuadas nas ruas ou no entorno delas, as medidas podem ganhar diferentes formas, indo desde o design faça-você-mesmo (do inglês, do it yourself – DIY) até projetos aprovados pelas administrações locais. Parklets instalados em estacionamentos, faixas de pedestres e ciclovias criadas pelos moradores, pinturas lúdicas no chão, jogos desenhados no pavimento, atividades culturais, mobiliário urbano criativo e pequenos parques que duram apenas um dia são iniciativas que muitas cidades vêm colocando em prática para aperfeiçoar a experiência da população nos ambientes coletivos, como descreve matéria do Planetizen.

O Park(ing), que teve sua origem em São Francisco (EUA), é um exemplo de urbanismo tático que se espalhou pelo mundo, ressalta artigo do Child in The City, fundação que atua na proteção dos direitos das crianças nos municípios. O evento, que ocorreu pela primeira vez em setembro de 2005, recupera os espaços destinados para os carros nas vias para brincadeiras e recreação. Conforme o site da organização, a proposta é chamar a atenção para a urgência de se ter ruas mais seguras, verdes e igualitárias.

Tudo começou com um grupo preocupado com a grande área da cidade californiana voltada para os veículos e em como as vagas para eles eram baratas. Depois da análise das regras da política de trânsito de São Francisco, que não proibiam pôr algo que não fosse um automóvel nesses pontos, e de calcular que cerca de 70% a 80% das vias eram para a movimentação e armazenamento de carros, sugestões para a utilização mais útil desses lugares passaram a ser concebidas. Assim, foi implantado o primeiro parklet temporário em um estacionamento com parquímetro do município. Para alterar essa região de maneira ágil e com elementos mais acessíveis financeiramente, grama sintética, uma árvore e um banco alugado de um parque foram dispostos na vaga de um veículo, atraindo crianças e adultos para aproveitar o ambiente de um jeito novo.

Com a repercussão da ação, no ano seguinte foi lançado o Park(ing) Day, que acontece sempre na terceira semana de setembro, e um manual de instruções para que outros locais pudessem realizá-lo. Washington, DC, Los Angeles, Detroit, Seattle, Nashville (todos nos Estados Unidos), Suíça, Munique (ambos na Europa), Japão, Singapura (na Ásia) e Brisbane (Austrália) são alguns dos lugares que contam com essa medida. Em 2023, a intervenção será em 15 de setembro.

Por serem, em sua maioria, atividades passageiras, elas permitem testar ideias de design e desencadear modificações de longo prazo nos bairros, oferecendo argumentos para pressionar os órgãos públicos para a concretização das melhorias nos espaços e torná-los mais adequados e atrativos para as crianças, idosos e público em geral. Os projetos de urbanismo tático envolvem também a comunidade e os usuários das áreas no levantamento das demandas e na tomada de decisões, aplicando o placemaking – técnica multidisciplinar para desenvolver regiões vibrantes para os indivíduos e com as quais eles se identifiquem e usem.

No livro “Tactical Urbanism: Short-Term Actions for Long-Term Change (Urbanismo Tático: Ações de Curto Prazo para Mudanças de Longo Prazo)”, publicado em 2015, o planejador Mike Lydon e o arquiteto Anthony Garcia definem essa estratégia como uma abordagem para a “construção e ativação de bairros utilizando iniciativas e políticas de rápida duração, baixo custo e escalonáveis”, assinala o Planetizen. Conhecido ainda como urbanismo de guerrilha, urbanismo DIY, acupuntura urbana e reparo da cidade, o termo urbanismo tático foi cunhado por Lydon, informa a reportagem.

Cinco características comuns são verificadas nas medidas que empregam essa ferramenta, de acordo com Lydon e Garcia, que são sócios na empresa de planejamento urbano e design StreetPlans. São elas: um enfoque deliberado e em fases para estimular a transformação, a oferta de soluções pontuais para os desafios de desenvolvimento de cada comunidade, baixo risco – com recompensas potencialmente altas, compromissos de curto prazo como o primeiro passo para uma alteração duradoura e fomento do capital social entre as pessoas.

Experiências se multiplicam e chegam a outras nações e realidades sociais

As intervenções de urbanismo tático ganharam mais visibilidade e impulso com a pandemia de coronavírus, a partir de 2020, lembra a matéria do Planetizen. Com as restrições sanitárias impostas na época, municípios de diferentes países buscaram alternativas para garantir que os residentes pudessem usar as ruas para a recreação das crianças, interação social e para que cafés e restaurantes continuassem funcionando. No local de automóveis estacionados, surgiram as vias abertas e as streeteries palavra que vem da combinação de street (rua) com eateries (restaurantes) e que tornou calçadas e vagas para carros em “salas de jantar ao ar livre”.

Por serem mais fáceis, rápidas e baratas de serem executadas, as ações de urbanismo tático foram replicadas em várias nações. Na Índia, por exemplo, existe o Raahgiri Day, que é um movimento que semanalmente fecha as vias de muitas cidades para os veículos, oferecendo um ambiente inclusivo para que crianças, idosos e mulheres de comunidades vulneráveis possam brincar e conviver socialmente, explica artigo do Child in The City. A atividade ocorreu pela primeira vez em 2013 e abrangeu 4,5 quilômetros de ruas em Gurugram, detalha reportagem do TheCityFix. A organização partiu de um grupo de habitantes do município, que foram inspirados pelo evento Ciclovia, que acontece em Bogotá (Colômbia) todos os domingos, quando avenidas são bloqueadas para os automóveis e os cidadãos podem caminhar e pedalar com segurança. Na mesma linha do que é feito na Avenida Paulista e no Parque Minhocão, em São Paulo (SP).

Atualmente, mais de 70 cidades da Índia adotaram a prática com o mesmo nome ou com marcas próprias. Várias campanhas foram criadas a partir do Raahgiri Day, como uma promovida pela organização Save the Children India, que fomenta a segurança de meninas em espaços públicos, acrescenta o Child in The City. O artigo relata ainda que Ongs e associações têm realizado no país mobilizações para alavancar mudanças em assentamentos informais por meio do urbanismo tático.

Entre os programas desenvolvidos está o da Coalizão Asiática para Ação Comunitária da Coalizão Asiática para os Direitos de Moradia, que já concretizou mais de 2 mil pequenos projetos de modernização em cerca de 150 municípios e 19 nações. Novas bibliotecas infantis e centros comunitários foram implementados por meio dessa iniciativa, assim como vias, parques, playgrounds foram melhorados, muitos deles cofinanciados pelas comunidades e governos dessas áreas.

Em Udaipur, também na Índia, foram efetuados aprimoramentos através do urbanismo tático para que a cidade atendesse às necessidades de bebês, crianças pequenas e de seus cuidadores, revela matéria divulgada pela Fundação Bernard van Leer, que atua na garantia da qualidade de vida de recém-nascidos e do público infantil. Um estudo identificou a demanda por mais lugares verdes com estrutura e segurança para incentivar a circulação a pé, de bicicleta e de carros elétricos. Uma das intervenções concretizadas, em 2019, foi acalmar o trânsito através da pintura em cores vivas de elementos lúdicos e geométricos na rua que passa próxima a uma escola, aperfeiçoando a sinalização e ampliando os pontos de circulação.

Um dos resultados obtidos foi o maior número de alunos e de seus responsáveis fazendo o trajeto de suas casas até a instituição de ensino caminhando, por se sentirem mais seguros. Consequentemente, diminuiu o volume de veículos e a emissão de gases de efeito estufa. Outra medida foi a revitalização de uma praça que era usada como estacionamento e acumulava lixo. As modificações trouxeram as pessoas de volta à região e as crianças passaram a ter mais um local para se divertir. Além disso, um parque comunitário foi recuperado com a manutenção da vegetação, melhoria do mobiliário, da iluminação e dos acessos. Conforme a reportagem, um festival de dois dias marcou a reinauguração de outro ambiente verde restaurado e contou com aproximadamente 1,3 mil crianças e seus cuidadores, que participaram do plantio de mudas e de contações de histórias.

Municípios do Brasil adotam estratégia urbana para qualificar vias para crianças e adultos

Estudantes, pais, professores e vizinhança colaboraram com uma série de ações planejadas para o entorno da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Vicente Rao, na parte Sul de Campinas (SP). Após o levantamento das necessidades dos alunos, projetos de urbanismo tático foram idealizados para o espaço, como implementação de um parklet para as crianças e adolescentes aguardarem na entrada e saída das aulas e não ficarem na rua por falta de lugar na calçada, intervenções para acalmar o trânsito, estímulo à mobilidade ativa (andar a pé e pedalar) e atividades culturais.

O retorno foi o aumento da segurança para os 700 estudantes e todos aqueles que se deslocam por essa área, destaca artigo da WRI Brasil, instituto de pesquisa focado na proteção ambiental e em iniciativas que gerem bem-estar para a população. Efetuada em 2019, a medida, executada pela Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas da Secretaria de Transportes com diversas parcerias, incluiu sinalização horizontal e vertical na via, rampa de acesso junto à vaga para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, extensão das calçadas nas esquinas próximas e parklet com mobiliário, minibiblioteca, bancos, vegetação, jogo de amarelinha e horta.

Já em Porto Alegre (RS), o urbanismo tático foi utilizado para estimular a mudança na forma de ocupação da rua João Alfredo, no bairro Cidade Baixa. Conhecida por concentrar um grande número de bares, a região tinha uma intensa movimentação durante à noite. Porém, ao longo do dia, havia poucos pedestres e ciclistas e muitos automóveis passando em alta velocidade. Essas características da via acabavam criando conflito entre moradores, frequentadores e empreendedores dessa parte da capital gaúcha, que é famosa por sua veia boêmia.

Por essas razões, a João Alfredo foi escolhida pela prefeitura municipal para se tornar uma Rua Completa, como recorda outro artigo do WRI Brasil. Em 2019, o trajeto foi redesenhando, com extensão das calçadas – diminuindo o espaço para os carros–, instalação de ilhas de refúgio, bancos, novos cruzamentos e rótulas. Além disso, muitas vagas para automóveis foram transformadas em área para pedestres e demarcadas com pintura verde, balizadores e tachões. A velocidade também foi reduzida, passando para um limite de 30 quilômetros por hora.

Antes de começar as alterações, um evento foi organizado na João Alfredo pela administração pública para apresentar o projeto à comunidade. Com o trânsito restrito para os veículos, a ação contou com música ao vivo, pintura de uma mandala com as crianças presentes em uma das rótulas e residentes caminhando ou andando de bicicleta ou patinete pelo ambiente, afirma reportagem da GaúchaZH. As melhorias visam estimular o uso diurno da rua e a atração e diversificação dos negócios.

Para elevar as áreas destinadas aos pedestres e a segurança deles, a prefeitura do Recife (PE) também tem investido em iniciativas de urbanismo tático em diferentes locais da cidade. Em 2021, a ladeira Monte Guararapes e as avenidas Chapada do Araripe e Serra da Mantiqueira na comunidade de Jardim Monte Verde, no Sul do município, foram reformuladas, organizando o tráfego e dando mais lugar para quem caminha em vias que não possuem calçadas ou onde elas são estreitas. De acordo com o governo local, foi criada ainda uma região compartilhada entre carros e pessoas com limite de velocidade em 20 quilômetros por hora. Mobiliário, plantas e sinalização também foram incorporados nesse ponto da capital pernambucana.

A intervenção foi implementada pela Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) em parceria com a Secretaria Executiva de Inovação Urbana, a NACTO-GDCI, instituição referência em mobilidade, e a Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global. Pesquisa feita por essas entidades apurou que 86% dos usuários dessas ruas chegavam a pé ou de bicicleta à área e que um terço dos pedestres eram crianças. As novas medidas aumentaram a segurança de todos e possibilitaram a criação de um novo ambiente para a interação social e a convivência do público infantil, com jogos pintados no chão. Ao todo, foram instalados 14 pontos de urbanismo tático no município somente em 2021.

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