Shabbificação

Estudos recentes revelam que os millennials estão retornando às cidades para morar perto do trabalho e do lazer e não depender do carro para se locomover. Ficar mais próximo desses profissionais é um dos motivos para as gigantes da área tecnológica abrirem mais escritórios em regiões centrais de locais como Nova York e Miami.

Companhias como a Apple, Meta, Google e Amazon, conhecidas como big techs, ampliaram significativamente sua presença em lugares como Nova York (EUA) nos últimos anos, adquirindo novos espaços em Manhattan e no Brooklyn mesmo durante a pandemia de coronavírus, conforme reportagem do jornal The New York Times. Ocupando prédios icônicos do município, como um complexo centenário dos correios, e instaladas perto de estações de transporte público, essas empresas investem na cidade, entre outras razões, para ficarem mais próximas do banco de talentos da localidade, destaca matéria da Forbes.

Esse cenário repete-se em outras partes dos Estados Unidos, como nos estados do Texas, Flórida, Geórgia e Arizona, e uma das explicações para essa movimentação está ligada ao fato dos millennials – geração nascida entre 1981 e 1996 – preferirem a vida urbana a dos subúrbios. Esse grupo tem sido responsável pela volta das pessoas aos ambientes mais centrais dos municípios e por sua revitalização, defende o especialista em planejamento urbano e professor da Rotman School of Management da Universidade de Toronto, Richard Florida, em artigo da Bloomberg.

Nas últimas três décadas, os jovens norte-americanos mudaram-se cada vez mais para as áreas urbanas, em um caminho diferente do feito pelos baby boomers, indivíduos nascidos entre 1945 e 1964, que optaram pelos subúrbios, aponta a pesquisa “Urban revival by Millennials? Intraurban net migration patterns of young adults, 1980–2010 (Renascimento urbano pelos millennials? Padrões líquidos de migração intraurbana de jovens adultos, 1980-2010)”. Divulgado em 2019, o estudo acompanhou os deslocamentos desse público nas 20 principais regiões urbanizadas dos Estados Unidos no período de 30 anos. Desenvolvido por Yongsung Lee, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, e Bumsoo Lee e Md Tanvir Hossain Shubho, ambos da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, o levantamento verificou o comportamento e as escolhas de localização de quatro faixas etárias: de 20 a 24 anos, de 25 a 34 anos, 35 a 44 anos e de 45 a 64 anos.

Os autores da pesquisa identificaram que são os jovens adultos, de 25 a 34 anos, que mostram as transformações mais representativas na definição do lugar onde residem ao longo do tempo, com a maior migração para os pontos centrais das cidades. As causas para isso variam de acordo com a idade, mas abrangem especialmente estar mais perto dos empregos, de alternativas de entretenimento, comércios, serviços de alimentação e acesso ao transporte. Um estudo efetuado pelo movimento Missing Middle Housing, que incentiva a construção de habitações médias nas localidades, apurou que 75% dos millennials ouvidos preferem viver onde tudo o que necessitam para o seu dia a dia está ao alcance de uma caminhada.

“Os jovens não querem mais andar 40, 50 minutos de carro para ir ao trabalho. Eles desejam morar perto dos seus empregos, em espaços vibrantes e caminháveis”, salienta o coordenador do movimento Somos Cidade, o empresário e fundador da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit), Felipe Cavalcante. Poder fazer as coisas a pé, como ir a uma loja, restaurante, universidade, edifício comercial ou até a estação de trem ou de ônibus, sem depender de um automóvel é uma demanda crescente entre os millennials e profissionais mais jovens percebida não só pelas big techs e grandes empresas como pelas incorporadoras, que vêm planejando empreendimentos e bairros de uso misto.

Apesar de ter se intensificado nos últimos anos, com a saída de muitas companhias do Vale do Silício, na Califórnia, a presença das big techs em Nova York, por exemplo, começou nos anos 2000, quando o Google abriu o seu primeiro escritório em Manhattan, recorda o The New York Times. Já a Apple está no município há cerca de uma década. Além de ser um novo lar para as gigantes tecnológicas, o local vem se consolidando como ambiente para o nascimento de startups, acrescenta o jornal. A quantidade de empresas desse segmento na cidade era de mais de 10 mil em 2020, segundo reportagem da Forbes, mais que o dobro registrado em 2000.

Os motivos que levam as big techs a instalarem sedes em grandes municípios fora da Califórnia envolvem ainda questões como altas taxas de impostos, especificamente sobre imóveis, regulamentações restritivas, altos custos trabalhistas e o declínio na qualidade de vida naquele estado, cita levantamento realizado pelo Instituto Hoover, da Universidade de Stanford, e divulgado pelo site de notícias South China Morning Post. De acordo com a matéria, essas circunstâncias fizeram organizações como a Oracle, Uber e Microsoft se deslocarem para outras áreas, sendo o Texas uma das mais procuradas para a realocação, como fez a Hewlett Packard (HP), a própria Oracle e a Tesla.

Apple Park, complexo isolado em subúrbio é exemplo a não ser seguido

Congestionamentos, escassez de habitações e preços elevados das residências são alguns das dificuldades enfrentadas pelos moradores e profissionais que atuam nas big techs do Vale do Silício, na baía de São Francisco, Califórnia, e que têm feito com que muitas delas abrissem escritórios em outras localidades dos Estados Unidos. Ao erguerem suas sedes em bairros afastados das regiões centrais e sem conexão com o entorno e com o transporte coletivo, essas companhias intensificaram problemas que já existiam na rotina da população do lugar devido ao rápido crescimento do número de trabalhadores que chegaram em busca de oportunidades nessas empresas.

O Apple Park, idealizado por Steve Jobs e projetado pela equipe do arquiteto britânico Norman Foster, é um empreendimento voltado para dentro de si mesmo, instalado em um subúrbio, como descreve o jornalista e escritor Adam Rogers em artigo para a revista Wired. O anel ou nave espacial, como também é chamada a sede da companhia em Cupertino, foi inaugurado em 2017, ocupa uma área de 71 hectares (710 mil metros quadrados) e conta com 9 mil vagas de estacionamento para uma previsão inicial de 12 mil contratados.

A arquitetura e o design do espaço são impactantes e aliam o que há de mais moderno em materiais e soluções sustentáveis, como o telhado com painéis fotovoltaicos e as mais de 9 mil árvores plantadas, como detalha o jornal El País. No entanto, Rogers afirma que esse é um prédio que não se preocupou em criar pontos de contato com a cidade onde foi construído e com as demais que ficam perto. Para ele, o Apple Park é um “anacronismo envolto em vidro, escondido em um bairro”, que exacerbou os obstáculos que os subúrbios vivem no século 21, como transporte, habitação e economia.

Por sua localização longe das regiões centrais e das redes de ônibus, os funcionários da empresa, assim como de outras big techs do lugar, precisam do carro para ir e voltar para seus empregos e não têm opções de comércio, serviços e alimentação próximas. Como forma de compensar ou amenizar a falta de conexão com o entorno, há no Apple Park cerca de seis quilômetros de trilhas para caminhadas e corridas, um lago, academia e ambientes de interação para aqueles que trabalham ali. Rogers comenta que o Google e outras companhias de tecnologia lançaram seus próprios ônibus para tentar facilitar os deslocamentos entre os seus escritórios e as residências de seus contratados.

Flórida: um novo destino para as big techs e empreendimentos mistos

A pandemia de coronavírus acelerou uma série de mudanças que já estavam em curso, como o trabalho remoto. Muitas empresas já retornaram aos seus escritórios, contudo, uma boa parcela de profissionais continua a atuar de forma híbrida ou em home office. Essa flexibilidade possibilitou que um grande número de pessoas colocasse em prática a vontade de morar em outras áreas, com mais qualidade de vida. Nesse contexto, a Flórida tornou-se um dos destinos favoritos nos Estados Unidos – somente em 2021 o estado recebeu mais 211 mil habitantes, conforme reportagem do New York Post.

Essa movimentação foi seguida pelas companhias de tecnologia. No mesmo ano, a região contabilizou 2.715 novas empresas desse setor, segundo relatório da CompTIA, uma das principais associações comerciais da indústria de Tecnologia da Informação, consolidando a Flórida como um importante centro tecnológico daquele país. A maioria desses negócios fixou endereço em Miami: 2.072 deles apenas em 2021, complementa o jornal. Assim como aumentou a quantidade de companhias no estado, houve uma elevação no número de empregos gerados. Ainda no mesmo ano, foram criados mais 10.522 postos de trabalho na Flórida, ficando atrás somente do Texas, que somou 10.851 novas posições – em um panorama diferente do final de 2022 e início de 2023, quando essas empresas realizaram uma série de demissões em massa: em cinco meses, Meta, Amazon, Microsoft e Google desligaram 70 mil funcionários, de acordo com matéria do g1.

Apesar da saída de muitas big techs da Califórnia, a área permanecia como a maior empregadora do segmento de tecnologia dos Estados Unidos, com 1,4 milhão de vagas em 2021, conforme a pesquisa da CompTIA. Depois, vinha o Texas (790 mil postos), Nova York (506 mil) e a Flórida (446 mil). Para atender à demanda dos atuais e futuros residentes, Miami – que já vinha em um ritmo acelerado de crescimento – viu alguns de seus bairros despontarem no desenvolvimento de novos empreendimentos mistos e caminháveis.

No Centro do município, Brickell tem sido a região preferida de jovens profissionais, entre os 25 e 44 anos, que chegam atraídos pela variedade de restaurantes, bares, varejo, entretenimento, transporte e proximidade de escritórios comerciais, ressalta reportagem da Forbes. O bairro é conhecido ainda por ser um dos maiores centros financeiros dos Estados Unidos. Dinâmica e moderna, a localidade possui complexos que mesclam hotéis e escritórios com moradias, lojas e cafés. Alguns deles abrangem ainda habitações acessíveis e escolas.

Além de Brickell, o Centro de Miami e Wynwood são outras comunidades bastante procuradas, por serem pontos vibrantes da cidade que unem o viver, trabalhar e se divertir e ficam perto da rede de transporte público. Conhecido por seus armazéns transformados em galerias de arte, restaurantes e pubs, Wynwood é um dos bairros mais culturais do município, com arte urbana espalhada por suas ruas e muros. Essa parte de Miami vem passando por uma revitalização ao longo dos anos, conquistando novos residentes e empreendimentos mistos, indica matéria da revista Living Miami.

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