Pesquisas realizadas em diferentes cidades e países analisam os reflexos da edificação de unidades residenciais nos valores das locações próximas. Em São Francisco (EUA), por exemplo, levantamento da economista Kate Pennington verificou uma queda de 1,2% a 2,3% nos aluguéis de pessoas que viviam a 500 metros de um novo projeto
Apesar da necessidade de disponibilizar mais moradias nas localidades para atender ao número cada vez maior de indivíduos que vivem nos espaços urbanos – até 2050 os municípios devem receber cerca de 68% da população mundial, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) –, a construção de novas habitações ainda esbarra em diversos obstáculos. As dificuldades vão desde as restrições de leis de zoneamento às distintas visões existentes sobre os efeitos dessas edificações no preço das locações e dos imóveis.
Essas percepções acabam opondo aqueles que acreditam que mais unidades com taxas de mercado nos bairros elevam os aluguéis e empurram as pessoas de menor renda para regiões afastadas dos centros, em um processo de gentrificação, e os que veem nesses empreendimentos uma das soluções para aumentar os estoques de residências e, com isso, reduzir o valor das locações. A falta de clareza sobre as consequências de se erguer mais moradias e a sua relação com os preços dos aluguéis e das propriedades levou a economista e pesquisadora do US Census Bureau, no Center for Economic Studies, Kate Pennington, a investigar o assunto a partir da realidade de São Francisco, na Califórnia (EUA).
A cidade norte-americana, assim como tantas outras daquela nação e de outras, enfrenta uma grande escassez de habitações e um incremento dos valores das locações. Em seu estudo “Does Building New Housing Cause Displacement?: The Supply and Demand Effects of Construction in San Francisco (A Construção de Novas Moradias Causa Deslocamento? Os Efeitos da Oferta e da Demanda da Construção em São Francisco)”, publicado em 2021, a economista mostra que 84% dos residentes de Bay Area sentem que há uma crise de falta de imóveis. Mesmo estando cientes desse cenário, a maioria dos que vivem em São Francisco, incluindo inquilinos, é contrária que mais unidades sejam edificadas em suas comunidades, mas não que isso ocorra nas demais áreas da localidade, aponta Kate.
Esse posicionamento, traz impactos na oferta de habitações no mercado e na elevação dos aluguéis. No período avaliado pela pesquisadora, entre 2003 e 2017, a média de preço de locação de um apartamento de um dormitório em São Francisco teve um aumento de 97%, passando de 1.307 dólares para 2.573 dólares, de acordo com informações do Craigslist (uma rede de anúncios gratuitos). Outro resultado, conforme a economista, é que grande parte das novas construções no município exige a remoção de um prédio já existente. Nesse sentido, ela pondera que incêndios graves tornam maiores as possibilidades de um empreendimento ser desenvolvido no terreno onde ocorreu o incidente do que em outros.
Com base nos dados obtidos, Kate descobriu que os aluguéis têm uma diminuição de 22,77 dólares a 43,18 dólares, de em torno de 1,2% a 2,3%, para cidadãos que moram a 500 metros de um novo projeto. Além disso, ela apurou que, em média, um complexo residencial adicional em um bairro pode amenizar o risco de deslocamento dos indivíduos para outros lugares em 17,14% para quem vive também a 500 metros de distância do prédio erguido recentemente. A partir da análise de avisos de despejo, a pesquisadora demonstrou que proprietários de edifícios com locação controlada e instalados em um perímetro de 100 metros de novos empreendimentos contam com aproximadamente 31% menos chances de despejar os seus inquilinos. Reflexos esses que persistem por, pelo menos, quatro anos depois da conclusão das obras dos prédios, ressalta a economista.
Para Kate, as informações reunidas em seu levantamento revelam que os efeitos da oferta de mais imóveis superam qualquer consequência da procura por unidades. Ela reforça também que a construção de novas habitações a valores de mercado beneficia as pessoas que alugam moradias, reduzindo os preços pagos por elas mensalmente, os despejos e os receios de mudanças de cidadãos para locais mais pobres dos municípios. Outro ponto salientado pela pesquisadora é que a propriedade acessível evita o deslocamento de residentes e pode preservar a longo prazo a diversidade de renda de uma comunidade. A economista conclui que a edificação de mais imóveis a taxas de mercado e de unidades com valores acessíveis são medidas complementares que devem ser estimuladas pelos tomadores de decisão das cidades para diminuir os impactos da escassez de habitações e os altos preços cobrados por elas.
Em Nova York, construção de arranha-céus reduz aluguéis, indica estudo
Assim como Kate Pennington se aprofundou sobre o segmento de moradias de São Francisco para compreender a relação entre novas residências e o valor das locações, a economista e pesquisadora da empresa de investimentos imobiliários Pretium, Xiaodi Li, verificou os reflexos da edificação de arranha-céus em Nova York (EUA) nos aluguéis de prédios próximos. No levantamento “Do New Housing Units in Your Backyard Raise Your Rent? (Novas Unidades Residenciais no seu Quintal Elevam suas Locações?)”, divulgado no final de 2021, Xiaodi relata que o acréscimo de imóveis diminui ou desacelera o incremento dos preços dos aluguéis que se encontram a uma distância de cerca de 150 metros.
Para chegar a esse resultado, a economista averiguou os projetos de arranha-céus que conseguiram licença para serem erguidos na metrópole entre 2003 e 2013 e como isso repercutiu nos valores praticados nas locações de propriedades em suas vizinhanças. Além da queda nos preços, a pesquisadora observou que esse efeito ocorre ao mesmo tempo em que outras facilidades são implementadas nos bairros, como destaca matéria feita para o portal Somos Cidade. No período entre 2000 e 2010, 1.141 arranha-céus foram aprovados para serem construídos na região central de Nova York ou ao longo de importantes rotas de transporte.
Para cada aumento de 10% nos estoques habitacionais na Big Apple, a economista identificou que há uma redução de 1% nos valores dos aluguéis das moradias que ficam em um raio de até 150 metros. A mesma situação ocorreu nas residências à venda localizadas em uma distância similar. Já em áreas mais longe do centro de Nova York, a diminuição do preço das locações registrada foi de até 2%, segundo Xiaodi. Em seu estudo, a economista percebeu que a queda mais representativa foi nos complexos destinados para a população de renda média. Conforme ela, a razão para isso pode estar relacionada ao movimento desencadeado pelos novos arranha-céus, que acabam atraindo pessoas mais ricas que deixam suas antigas propriedades vagas para a classe média.
Com o crescimento da oferta de unidades, há uma redução dos valores das locações e vendas e ocorre um efeito cascata que beneficia todas as faixas econômicas, processo chamado de filtragem. Isso acontece quando as famílias com rendimentos médios se transferem para as habitações deixadas pelos moradores com poder aquisitivo maior e as suas casas ficam vazias e mais acessíveis a cidadãos com rendas mais baixas. Para se ter uma ideia do cenário em Nova York, em março deste ano, o aluguel médio em Manhattan subiu para 4.175 dólares, um recorde de acordo com relatório da Miller Samuel Inc. realizado em parceria com a corretora de imóveis Douglas Elliman Real Estate. A elevação foi de aproximadamente 13% em comparação à mesma época de 2022, detalha reportagem da Bloomberg Línea.
Levantamento feito na Alemanha chega a conclusões semelhantes às dos norte-americanos
Mudam as realidades econômicas, sociais, culturais e geográficas, mas não os resultados quando a questão da edificação de mais residências e as suas consequências nos aluguéis são investigadas. A pesquisa “The Impact of New Housing Supply on the Distribution of Rents (O Impacto da Nova Oferta de Habitação na Distribuição de Locações)”, do economista do Instituto de Pesquisa de Emprego de Nuremberg, Andreas Mense, destaca que um aumento de 1% na construção de imóveis tende a estar ligado a uma diminuição de 0,4% a 0,7% nos aluguéis.
A avaliação feita por Mense aponta ainda que a disponibilização adicional de unidades repercute no mercado imobiliário como um todo, alcançando todas as faixas de renda. O economista Joe Cortright, em artigo do City Observatory, comenta que o estudo mostra que os preços das locações destinadas para pessoas com renda mais baixa são bastante impactados nos primeiros meses após a introdução de novas propriedades no mercado enquanto que os aluguéis da outra ponta reagem depois de um período de tempo maior.
Cortright, que é fundador do City Observatory, complementa que um dos aspectos mais interessantes do levantamento de Mense é que ele projeta o número de moradias adicionais que deveriam ser erguidas em uma localidade para conter o incremento dos valores das locações. Um dos exemplos dado é o de Munique: o município precisaria edificar cerca de 20% a mais do que vem sendo feito nos últimos anos. Já na capital alemã, Berlim, que possui um mercado com menos ofertas e onde os aluguéis têm subido mais, a necessidade de novas residências seria ainda maior. O economista do Instituto de Pesquisa de Emprego de Nuremberg estima que a maioria das cidades da Alemanha demandaria uma elevação na produção de habitações de 10% a 20% para manter sob controle os preços das locações.
Na opinião de Cortright, um desenvolvimento mais denso das localidades conta com um grande potencial para reduzir o peso dos custos dos imóveis para as famílias de baixa renda, além de trazer vantagens como menores distâncias a serem percorridas entre casa, trabalho e lazer. A acessibilidade à moradia, segundo o economista, está relacionada à escala, e aumentar a oferta de unidades é uma condição essencial para que isso seja viável para o maior número de indivíduos.
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