Shabbificação

Entender os fatores que influenciam a maneira como os indivíduos fazem suas viagens, como a distância entre suas casas e o trabalho e o tempo gasto nas vias, e encontrar estratégias para reduzir os engarrafamentos e a utilização de veículos são os objetivos de diferentes estudos concretizados recentemente

Os moradores das capitais brasileiras gastam cerca de 2 horas do seu dia no trânsito para percorrer o trajeto entre suas habitações e o serviço, escola, universidade ou para ir às compras. Isso significa que a população dessas localidades perde, em média, 21 dias do ano se deslocando, conforme a Pesquisa Mobilidade Urbana 2022, desenvolvida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com o Sebrae. O levantamento, efetuado entre fevereiro e março do ano passado, também investigou o tempo que as pessoas ficam nos congestionamentos, que foi de aproximadamente 1 hora e quatro minutos do dia, em média.

Um dos pontos ressaltados no estudo é que a mobilidade está diretamente relacionada ao crescimento econômico e social de uma região e que a quantidade de tempo que um cidadão passa no tráfego afeta o seu bem-estar e a sua produtividade. A demora nas locomoções é, inclusive, um dos critérios analisados na pesquisa “Delay: The Next “D” Factor in Travel Behavior? (Atraso: O Próximo Fator ‘D’ no Comportamento de Viagem?)”, publicada no começo de 2023. O levantamento aponta que os engarrafamentos são uma das grandes preocupações atuais de planejadores, economistas, ambientalistas e indivíduos devido ao seu aumento considerável em municípios de todos os portes e ao seu reflexo na estrutura urbana, na distribuição espacial das atividades das cidades e na qualidade de vida de seus residentes.

Enquanto outros estudos na área focaram na ligação entre os congestionamentos e o ambiente construído, como a densidade, diversidade, design, acessibilidade do destino e distância até o trânsito – conhecidos como fatores “5D” – e nos impactos nas emissões de gases de efeito estufa e na saúde pública, o trabalho acima está centrado nas consequências dos engarrafamentos na decisão de como as pessoas fazem seus itinerários: de automóvel, a pé, de bicicleta, de ônibus ou metrô, por exemplo. A partir de dados do Conselho Regional de Puget Sound (responsável pelas medidas e decisões sobre o transporte da região metropolitana de Seattle, Washington, EUA, que fica entorno da enseada de Puget Sound) e de outros critérios, como os “5D”, socioeconômicos, local de trabalho e frequência das viagens, os pesquisadores identificaram que o número de deslocamentos realizados com carros domésticos, a densidade das edificações e o atraso no trânsito são alguns dos elementos que mais influenciam no total de milhas percorridas por veículo (do inglês, VMT).

Ao todo foram avaliadas informações de 4.786 cidadãos de 2.442 domicílios, com mais de 18 mil registros de viagens diárias feitas pelos entrevistados. Um dos resultados do levantamento revela que cada indivíduo adicional em uma moradia corresponde a uma elevação de 58,5% na quantidade de locomoções efetuadas de automóvel. Já o trabalho em casa está associado a uma queda de 58,8% no número de viagens domésticas de carro. Outro fator importante apurado pelo estudo foi que o acesso ao transporte coletivo representa uma diminuição nos trajetos com veículos particulares de 12,6%.

Da mesma forma, quanto maior o atraso ocasionado pelos congestionamentos mais pessoas deixam de utilizar seus automóveis para concretizar seus percursos (-16,3% nas viagens a cada aumento do tempo gasto no trânsito), mesmo reflexo obtido nos lugares com densidades mais altas (-5,5%). Por outro lado, habitações que contam com estacionamentos gratuitos registram um VMT 31,2% maior do que os imóveis sem esse recurso. Em conjunto, todos esses dados demonstram que a análise do comportamento de viagem é algo complexo e que deve considerar diversos critérios, incluindo os atrasos causados pelos engarrafamentos, que são vistos como mais um fator “D” pelos pesquisadores.

Ainda segundo as conclusões do levantamento, todos esses itens precisam ser analisados para a definição de soluções abrangentes para reduzir os congestionamentos e os deslocamentos de carros particulares. Entre as propostas salientadas no estudo que podem contribuir nesse sentido estão políticas de preços de engarrafamento, como cobrança de valores por tempo, localização, distância e ocupação por veículo. Municípios compactos – que não espraiam suas fronteiras para muito longe dos centros urbanos –, empreendimentos de uso misto e o Desenvolvimento Orientado para o Transporte (TOD, da sigla em inglês), que incentiva a criação de novas centralidades perto dos eixos de transporte público, foram outras possibilidades assinaladas pelos pesquisadores.

Ações de distintos países ajudam a retirar mais automóveis das vias urbanas

Uma pessoa leva, em média, 36 minutos e 20 segundos para fazer um trajeto de dez quilômetros em Londres, a cidade mais congestionada do mundo de acordo com o Índice de Tráfego TomTom de 2022. O relatório reúne informações sobre o tempo de viagem, custo de combustível e emissões de gás carbônico de 390 localidades de 56 nações. A capital inglesa é seguida por Bangalore (Índia), 29 minutos e dez segundos para circular pela mesma distância, e Dublin (Irlanda), 28 minutos e 30 segundos. No Brasil, o primeiro lugar é de Recife (PE), 22 minutos e 50 segundos, no ranking geral o município fica na 27ª posição. Depois vem São Paulo (SP), 22 minutos e dez segundos – 35º posto na listagem total – e Curitiba (PR), 22 minutos e 37º colocado no planeta.

Melhorar a mobilidade e amenizar os impactos dos engarrafamentos e do elevado número de carros nas ruas no meio ambiente e na qualidade de vida das pessoas são os principais desafios contemporâneos das cidades. Medidas para isso vêm sendo testadas por diferentes localidades, com resultados positivos, como por exemplo as taxas de congestionamento. Em soluções dessa natureza, motoristas pagam para acessar a área central dos municípios em determinados horários e dias da semana e os valores arrecadados são voltados para aperfeiçoar as opções de transportes sustentáveis. Londres é uma das pioneiras na adoção dessa política, registrando uma queda de 33% no trânsito na região desde a sua implementação em 2003.

Essa é uma das propostas selecionadas pelo levantamento “A dozen effective interventions to reduce car use in European cities: Lessons learned from a meta-analysis and transition management (Uma dúzia de intervenções eficazes para reduzir o uso de veículos nas cidades europeias: Lições aprendidas com uma meta-análise e gerenciamento de transição)”, divulgado em 2022. O controle de estacionamentos e do tráfego é outra dessas ações e envolve a remoção de vagas para automóveis nas vias públicas e mudanças de rotas, com esses espaços sendo transformados em ciclovias, ruas e calçadas sem carros. Em Oslo, essa prática resultou em uma diminuição de 19% no uso de veículos no centro da capital norueguesa.

Uma terceira medida investigada no estudo, que revisou mais de 800 relatórios produzidos depois de 2010 sobre o tema na Europa e se aprofundou em 24 desses documentos para quantificar o retorno das soluções, são as zonas de trânsito limitado. Essa estratégia impede a circulação de automóveis nos pontos centrais das localidades em certos períodos, com exceção para habitantes da área ou para quem paga uma taxa anual. Os recursos dessa cobrança e das multas são destinados para o aprimoramento do transporte público. O lugar com o melhor desempenho com essa política foi Roma (Itália), que teve uma redução de 20% na utilização de carros no horário com restrições e 10% no sem proibições. As demais iniciativas podem ser conhecidas na matéria feita para o portal Somos Cidade.

Qualificação da mobilidade e menos veículos circulando são essenciais para combater aquecimento global

Em torno de 15% das emissões de gases de efeito estufa do mundo são oriundas do sistema de transporte global, indica artigo do instituto de pesquisa WRI Brasil. O setor rodoviário era, em 2019, o responsável por 71% de todas as emissões ligadas ao transporte, o restante ficava dividido entre os segmentos marítimos e aéreo e uma pequena parcela vinha de trens e outras fontes. Para que as metas climáticas sejam alcançadas e se consiga limitar o aquecimento do planeta a 1,5º C, é necessário reverter o atual cenário e diminuir as emissões geradas pelos automóveis e outros meios de locomoção.

As alterações para se atingir esses objetivos, destaca a WRI Brasil, devem abranger, além da queda no uso dos carros e da transição para veículos elétricos, ações que aproximem trabalho e serviços dos ambientes onde os cidadãos vivem, melhorem e incentivem a utilização do transporte coletivo e estimulem as caminhadas e o pedalar. Descarbonizar as outras formas de transporte também é observada pelo instituto como fundamental nesse processo. Distintas propostas foram relacionadas pelo Systems Change Lab, uma iniciativa do instituto com a fundação Bezos Earth em parceria com outras organizações, para reduzir efetivamente as emissões de gases de efeito estufa.

Possuir uma infraestrutura moderna e protegida é um dos caminhos ressaltados, ampliando as ciclovias e as calçadas para os pedestres. Essa intervenção auxiliaria a diminuir os engarrafamentos, a poluição do ar e sonora e fomentaria a prática de exercícios, trazendo ganhos para a saúde da população, bem como significaria menos acidentes e mortes no tráfego. Os sistemas de transporte, reforça o artigo, precisam ainda ser acessíveis física e financeiramente e seguros para as mulheres.

Aumentar a malha do transporte coletivo é outra maneira de incentivar que mais pessoas deixem seus automóveis em casa e optem por outros meios de deslocamento, como os ônibus, metrô, trem, a pé ou de bicicleta. A WRI Brasil recorda que com menos carros nas vias abriria espaço para regiões verdes, parques, refeições ao ar livre e lugares para a interação social. A essas soluções, o instituto acrescenta a urgência de reduzir as viagens desnecessárias de veículos e de avião. A distância percorrida por automóveis de passageiros também tem crescido em todo o mundo, principalmente nas áreas de renda mais alta e com visões de desenvolvimento focadas nos carros, como a Europa e a América do Norte, conforme a organização. Trens de alta velocidade, sistemas de ônibus locais bem planejados, densidades mais altas e a oferta maior de comércio e serviços e lazer que podem ser acessados sem trajetos motorizados contribuem para que essa tendência não se expanda.

A eletrificação da frota é mais uma oportunidade para amenizar os efeitos do transporte na crise climática. Diferentes governos estão apoiando a descarbonização do setor e anunciaram o fim das vendas de unidades movidas a diesel e gasolina até 2040. Um empecilho para que mais indivíduos comprem esse tipo de veículo é o preço, que vem baixando ao longo dos anos, relata a WRI Brasil. A instalação de mais redes de carregamento é outro ponto relevante para disseminar os automóveis elétricos. Essa transição deve ocorrer também entre os ônibus e caminhões, que ainda esbarram no problema do valor das unidades. Novas estratégias, como o uso do hidrogênio verde, desenvolvimento de baterias de armazenamento e a captura de carbono, precisam ser pensadas para esses veículos e para o transporte aéreo e marítimo.

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