Vertical ou horizontal, a expansão dos municípios acontece naturalmente com o crescimento da população e da renda de seus moradores. No entanto, a maneira como esse movimento ocorre depende das políticas habitacionais e das soluções de planejamento urbano adotadas por gestores públicos. Essa ampliação pode tanto se tornar um novo destino local, como um bairro planejado, como se tornar um espraiamento desorganizado.
Até 2050, 68% das pessoas estarão vivendo em ambientes urbanos projeta o Relatório Mundial das Cidades 2022, elaborado pela ONU-Habitat. A perspectiva da agência da Organização das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos é que os municípios em todo o planeta tenham 2,2 bilhões de residentes a mais nos próximos 26 anos. Idealizar localidades mais equitativas, sustentáveis e voltadas para os indivíduos é um dos grandes desafios do século XXI para os administradores públicos, que precisam reavaliar políticas e ações para possibilitar uma ampliação que seja benéfica e responda às demandas do aumento populacional.
“A expansão para a periferia dos municípios é natural. Nenhuma localidade, até hoje, cresceu sem passar por esse movimento”, enfatiza o coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador e presidente de honra da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit), Felipe Cavalcante. Ele lembra que o urbanista francês Alain Bertaud ressalta em seu livro “Ordem Sem Design – Como os Mercados Moldam as Cidades”, lançado em 2018, que os municípios e vilas evoluem desde o início dos tempos através de vários contextos culturais e topográficos.
No Brasil, assinala Cavalcante, nas últimas décadas, a maioria das localidades optou por fazer essa expansão horizontalmente, para os lados. “Existe uma ojeriza de planejadores urbanos, gestores públicos e de uma parte da sociedade em relação à verticalização e ao adensamento dos bairros”, argumenta. Essa objeção acaba, segundo o empresário, se refletindo em leis e estratégias de desenvolvimento que, em vez de promover uma ampliação natural e saudável, incentiva uma ocupação desordenada e irregular da cidade, gerando um grande espraiamento. “Como ocorre em São Paulo (SP) e a gente vê isso se repetir em todo o País”, relata.
Cavalcante explica ainda que o aumento de regiões urbanizadas acontece sempre proporcionalmente ao crescimento da população e da renda familiar. Com o incremento de seus ganhos, esses cidadãos começam a buscar casas ou apartamentos maiores. Conforme as populações e as economias elevam-se gradativamente, os municípios consomem naturalmente mais espaços, destaca Bertaud em sua obra. “Da mesma forma, à medida que os rendimentos aumentam, os indivíduos descobrem que gostariam de imóveis mais amplos – e que podem pagar (por eles) – em terrenos mais largos também”, sustenta o autor de “Ordem sem Design”.
O avanço da tecnologia, a internet, o pós-pandemia e o home office contribuem para as mudanças de comportamento das pessoas, com muitas delas procurando moradias em bairros mais distantes do centro – que contam com lotes maiores e unidades com mais área construída, detalha o coordenador do Somos Cidade. Além desses fatores mais atuais, Cavalcante pondera que três aspectos norteiam as escolhas de um indivíduo sobre onde irá viver: localização, tamanho e preço da residência. “E o planejamento urbano brasileiro só considera o lugar na hora de decidir a sua política habitacional”, afirma. Ele reitera a importância da oferta de diversos tipos de imóveis e de valores nas comunidades, isso porque os seres humanos são distintos e têm preferências que vão se modificando com o passar do tempo.
Pesquisa do mercado imobiliário, aponta o empresário, demonstra que uma boa parte dos cidadãos prefere morar em casas. “Cerca de 80% dos entrevistados responderam que, se não fosse o trânsito, escolheriam esse formato de unidade. Essa é uma realidade que não pode ser negada pelos gestores, no sentido de impedir que as pessoas vivam no tipo de residência que é mais conveniente para elas”, frisa Cavalcante. Ele comenta também que Bertaud cita que alguns planejadores e diferentes economistas defendem que uma “oferta de terra elástica é necessária para a manutenção dos preços acessíveis dos imóveis com a população e a renda de um município aumentando”.
Outros pontos salientados pelo coordenador do Somos Cidade referem-se à relação entre a menor densidade nas regiões com habitações maiores e ao valor dos lotes, que vão diminuindo quanto mais longe estiverem do centro das localidades. Nesse cenário que se configura para o futuro dos municípios, quais as soluções para que a expansão aconteça de forma organizada e com boas práticas urbanísticas? Para Cavalcante, os bairros planejados são uma das respostas para disponibilizar mais e variadas moradias.
Ambientes caminháveis pensados para os indivíduos
Muitos novos projetos que vêm obtendo resultados positivos são extensões de bairros ou de cidades que investem na criação de espaços através do desenvolvimento do urbanismo existente, expandindo a rede de ruas convidativas para os cidadãos andarem a pé, analisa matéria do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo. A ampliação de localidades tem funcionado bem, agrega a publicação, quando os municípios aproveitam as oportunidades para elevar a rede viária, sem deslocar ninguém e ainda sendo eficiente nos quesitos de localização e sustentabilidade.
O Distrito de Pearl, em Portland (Oregon, EUA) é um dos exemplos listados pelo Public Square. A malha viária do lugar foi estendida do centro até um terreno que já foi usado para a instalação de armazéns e de um pátio ferroviário e residências a preços acessíveis foram incluídas na iniciativa, que começou na década de 1980. Hoje, a região conta com aproximadamente 120 pequenos quarteirões, erguidos na mesma escala dos presentes na parte central do distrito. Para impulsionar o crescimento, foi instalada uma linha de bonde conectando o bairro ao restante da cidade. Poundbury, o município idealizado pelo Rei Charles III, em Dorchester (Inglaterra), em 1993, também foi destacado pelo jornal. Com cerca de 4 mil habitantes e mais de 200 empresas, a localidade foi planejada para ser caminhável, de uso misto e com medidas sustentáveis.
No Brasil, diversos bairros planejados têm mostrado como é possível aliar expansão com boas práticas urbanísticas. Saiba mais sobre alguns desses empreendimentos:
Cidade Pedra Branca, Palhoça (SC)
Referência na priorização dos pedestres e na concepção de ambientes que favorecem uma vida dinâmica ao ar livre, o Cidade Pedra Branca, em Palhoça, Santa Catarina, possui atualmente uma população de cerca de 14 mil moradores, 13 mil postos de trabalho, 10 mil estudantes e duas mil empresas instaladas em uma área de cerca de 250 hectares e com 2,3 mil lotes. O complexo na região Metropolitana de Florianópolis foi inspirado pelos conceitos do Novo Urbanismo – que coloca o foco das decisões de planejamento nos indivíduos e não nos carros – e do Cidade para Pessoas, idealizado pelo arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl – que inclusive foi consultor do empreendimento na qualificação dos espaços públicos, pensando as atividades que poderiam ser realizadas neles, momentos de contemplação e de interação social no dia a dia.
A implementação do projeto começou em 1999, com o primeiro loteamento residencial, e combina habitação, comércio, serviços, lazer, trabalho e educação – tudo elaborado para ser acessado confortavelmente a pé ou de bicicleta e para estabelecer uma nova centralidade nessa área da grande Florianópolis. Trânsito acalmado, ruas curtas, calçadas generosas, mobiliário urbano convidativo, fachadas ativas e paisagismo foram outras ações efetuadas pelo bairro-cidade. Um dos destaques do complexo é o Passeio Pedra Branca, o “shopping a céu aberto” da localidade, que foi pensado como o ponto de conexão do empreendimento e possui uma praça com espelho d’água, lojas, bares e restaurantes dispostos em um ponto seguro e atrativo. Para facilitar a mobilidade e incentivar mais os moradores e visitantes a caminharem e pedalarem, o Cidade Pedra Branca adotou o princípio de rua compartilhada nesse segmento, com passeios públicos sem meio-fio, ficando vias e calçadas alinhadas.
Parque Una, Pelotas (RS)
A construção de um parque público, que hoje reúne milhares de frequentadores nos finais de semana, foi o primeiro movimento da Idealiza Cidade para a instalação do Parque Una, um novo destino em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Localizado entre uma comunidade, um shopping e um condomínio de alto padrão, o complexo conta atualmente com 2 mil residentes, 750 salas comerciais vendidas e uma diversidade de negócios e serviços, como a primeira escola infantil bilíngue do município gaúcho, pet shop, padaria, academia, restaurantes e casa de carnes. Com influência das ideias de Jane Jacobs e Jan Gehl, o empreendimento investe em soluções arquitetônicas que estimulam a vida nas ruas, com gente caminhando ou pedalando pelas vias em horários variados ao longo do dia, e no uso misto.
Uma atenção especial foi dada ao térreo das edificações do bairro planejado, levando mais dinamismo e atratividade para o passeio dos habitantes e usuários do lugar. Iniciado em 2007, o projeto teve a sua primeira torre de apartamentos lançada no final de 2016 e se prepara agora para o 20º empreendimento de incorporação. No ambiente fica também o Una Makers, construção com dois mil metros quadrados destinada a empresas de tecnologia – estratégia que deve impulsionar o desenvolvimento dessa área de Pelotas – e a Casa Una, que é o showroom e o ativador do ecossistema do complexo e possui cafeteria, loja de souvenir e um espaço na cobertura para observar o local de um outro ponto de vista.
Cidade Urbitá, Brasília (DF)
Planejado para conectar os indivíduos, o Cidade Urbitá irá criar uma nova centralidade no Distrito Federal. Principal iniciativa da Urbanizadora Paranoazinho, o empreendimento fica a cerca de dez quilômetros de Brasília, na região da antiga Fazenda Paranoazinho, às margens da BR-020 – lugar por onde circulam mais de 500 mil pessoas diariamente em direção ao Plano Piloto da capital federal. Criado em escala urbana, o projeto alia moradia, trabalho, estudos e entretenimento em um mesmo local e aplica parâmetros do Novo Urbanismo, como calçadas largas, fachadas ativas, ciclovias, parques urbanos, praças, comércio no térreo dos prédios e paisagismo, tudo concebido para oferecer uma experiência qualificada nos seus ambientes.
O Urbitá, que foi idealizado para incentivar as caminhadas, ocupará uma área de 900 hectares e a previsão é de ter, no final do projeto, 120 mil residentes. Além disso, os edifícios terão altura máxima de 37,5 metros e o potencial construtivo do complexo é de mais de quatro milhões de metros quadrados. Com um investimento estimado em R$ 32 bilhões, a nova cidade de Brasília terá 40% da área do complexo voltada para espaços públicos, incluindo parque e postos de saúde e policial, e será responsável por 60% de um sistema de parques lineares de cinco milhões de metros quadrados. A sustentabilidade é um pilar importante no empreendimento, que contará com uma gestão mais eficiente dos recursos naturais, realizada através da utilização de novas tecnologias de infraestrutura urbana como, por exemplo, o sistema de drenagem pluvial, que irá reduzir os impactos da impermeabilização do solo. As obras devem começar em 2024 e a conclusão deve ocorrer em 25 anos.
Bairru PARC, Pinhais (PR)
Implementado onde ficava o autódromo de Pinhais, no Paraná, o Bairru PARC ocupará uma área de 560 mil metros quadrados e preservará mais de 80% do traçado original da pista. Desenvolvido pela Bairru Urbanismo, empresa fundada em 2015, em parceria com o escritório Jaime Lerner Arquitetos Associações, o projeto tem o seu foco nos pedestres, na disponibilização de equipamentos públicos e na criação de ambientes de convivência. Mobilidade e conexão entre os indivíduos são os principais fatores priorizados no complexo, que se inspira nos ideais do Novo Urbanismo, como diversidade, identidade, coexistência, sustentabilidade e facilidade de locomoção.
Influenciado também pelo conceito de Cidade de 15 minutos, o Bairru PARC terá uso misto, unindo habitação, trabalho, lazer e opções de comércio e serviços, permitindo que os moradores concretizem suas tarefas cotidianas em um mesmo lugar, com tudo ao alcance de uma caminhada de até um quarto de hora. Do total da área do empreendimento, mais de 300 mil metros quadrados serão transformados em espaços públicos, com ruas, espaços verdes, lojas, cafés, restaurantes e outras comodidades. A perspectiva dos realizadores é que, além da requalificação da região do autódromo, o bairro planejado deve se tornar um novo polo de lazer e negócios para Pinhais e Curitiba. Entre as contrapartidas da Bairru Urbanismo para concretizar a iniciativa estão o investimento de R$ 2,5 milhões no projeto viário, doado ao município, para readequar o acesso Curitiba-Pinhais e as áreas de influência até Colombo e Piraquara e a construção e doação de uma Unidade Básica de Saúde.
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