Urbanismo de mercado

Diferentes movimentos vêm buscando soluções para qualificar as localidades, aumentar a oferta de moradias e aprimorar o transporte público. Os urbanistas de mercado acreditam que se os municípios revisassem as exigências de zoneamento e de construção, a vida de seus habitantes melhoraria.

Aliar a política de livre mercado às questões urbanas é a estratégia proposta pelo urbanismo de mercado para tornar as cidades mais organizadas e eficientes. As leis de zoneamento e as restrições impostas às edificações são os principais fatores que dificultam o desenvolvimento das localidades no entendimento dos integrantes desse movimento, como detalha artigo do Planetizen. Para o jornalista e consultor Scott A. Beyer, os municípios são mais pobres e funcionam com menos capacidade por causa da burocracia dos governos que os administram e do planejamento centralizado.

Beyer, que é autor do livro “Market Urbanism: A vision for free-market cities (Urbanismo de Mercado: Uma visão de livre mercado para as cidades)”, lançado em 2022, abordou em uma de suas palestras uma série de medidas que podem ser adotadas para melhorar diversos aspectos da vida nas localidades, com foco especialmente em ações para elevar a disponibilidade de imóveis e aperfeiçoar os sistemas de transporte coletivo – dois dos maiores problemas enfrentados atualmente por inúmeros municípios pelo mundo. O jornalista, que por anos escreveu sobre políticas urbanas para revistas e sites, é também fundador da Market Urbanist, empresa de mídia que atua na disseminação das ideias do urbanismo de mercado.

Em sua apresentação, Beyer afirmou que se as cidades fossem ditadas pelos desejos dos consumidores (os seus residentes), elas se ajustariam mais adequadamente às necessidades das pessoas. Ele explicou ainda que o urbanismo de mercado é uma teoria clássica liberal, fundamentada em economistas como Friedrich Hayek e Adam Smith, que exige auto-organização e crescimento ascendente, ou seja, de baixo para cima, em vez do planejamento feito pelas gestões públicas, que é de cima para baixo. O movimento conta, desde 2007, com um site para divulgar mais informações sobre seus conceitos e soluções implementadas pelas localidades, o The Center for Market Urbanism, criado pelo urbanista e empreendedor do segmento imobiliário, Adam Hengels.

Especificamente na área de moradia, Beyer descreveu que as casas deveriam poder ser erguidas no lugar, com o tamanho, o design e a densidade que os consumidores quisessem, respondendo às forças do mercado e às demandas dos cidadãos. A maneira de tornar isso possível, segundo o jornalista, é por meio da reforma das regras de zoneamento. Os urbanistas de mercado também são contra os limites mínimos de estacionamento, que são a quantidade de vagas para carros que cada novo empreendimento precisa oferecer. Em sua palestra, o consultor assinalou que o mercado é que deveria determinar o número de estacionamentos a ser edificado em cada complexo.

Essas exigências, reforçou Beyer, acabam aumentando o preço das habitações, assim como as regras presentes nos códigos de construção dos municípios. Os urbanistas de mercado creem que essas normas, assim como as do zoneamento, devem ser minimizadas ou eliminadas. O jornalista enfatizou que o setor privado possui mecanismos que poderiam substituir essas leis e manter a qualidade e a segurança dos prédios. Um exemplo dado por ele são as companhias de seguros e os bancos. Conforme o consultor, essas empresas não iriam cobrir um projeto que não fosse bem feito ou que não assegurasse a prevenção a incêndios e a outras situações de risco, acrescenta o Planetizen, isso porque as seguradoras não querem pagar por edifícios que desmoronam e os banqueiros não vão emprestar recursos para empresários que não apresentam garantias.

As críticas dos urbanistas de mercado abrangem ainda os limites de crescimento urbano, que impedem a expansão suburbana, as barreiras para o adensamento das cidades e as regulamentações que estipulam as alturas máximas permitidas para os empreendimentos em cada região de uma localidade. Beyer salientou que sem todas essas normas os municípios poderiam ser mais verticais e compactos e se desenvolver ao longo das linhas de transporte de massa. No que se refere às estratégias voltadas para a moradia, o jornalista ponderou que o movimento não acredita que um conselho de planejamento governamental possa estabelecer corretamente a quantidade de unidades necessárias em uma cidade. Ele avaliou que a iniciativa privada tem mais condições de analisar essa necessidade, baseando essa decisão em dados sobre os preços praticados no mercado, os fluxos populacionais e o número de indivíduos que desejam viver em um determinado bairro.

Mais edificações no entorno de estações de transporte coletivo

Muitas das ideias do urbanismo de mercado encontram eco na visão sustentada pelo urbanista francês Alain Bertaud em sua obra “Ordem sem Design: Como os Mercados Moldam as Cidades”, na qual argumenta que as localidades funcionam melhor e conseguem evoluir naturalmente quando estão sem as amarras de leis como as de uso e ocupação do solo. Ele ressalta ainda que o planejamento dos municípios deve ser feito com foco em indicadores, na observação das demandas do mercado e no acesso à habitação e à mobilidade para que sejam idealizados lugares dinâmicos e qualificados.

No quesito transporte coletivo, o jornalista e consultor Scott A. Beyer destacou em sua palestra que uma das premissas dos urbanistas de mercado é incentivar que os meios de locomoção sejam fornecidos ao longo das rotas de deslocamento, nos modais e através das companhias escolhidas pelos consumidores. Um dos itens frisado por ele é que todos os aspectos da vida nas cidades deveriam ser decididos pelas pessoas, de acordo com as suas preferências e não pelo governo.

Entre as medidas para aperfeiçoar esse serviço, o jornalista falou sobre a precificação das rodovias para evitar os congestionamentos. Cobrança essa que seria definida pelo gerenciamento da demanda: quando as estradas estiverem lotadas, o valor pago seria maior e vice-versa. Para ele, esse mecanismo ajudaria a dispersar o movimento para distintos horários do dia e criaria também uma fonte de receita que seria utilizada para a manutenção das vias. Beyer considerou que essa ação faria com que os motoristas que usam as rodovias e se beneficiam delas sejam aqueles que paguem por elas e não todos os residentes de um município.

A reforma do transporte público e uma maior concorrência do setor privado com o governo nessa área são outros pontos que o urbanismo de mercado indica para deixar as cidades melhores e mais funcionais para os seus moradores. A linha férrea de Hong Kong, exemplificou o consultor, possui uma grande parte dos terrenos que ficam no seu entorno e são usados para a construção de empreendimentos que adensam as regiões ao longo do trajeto dos trens. Beyer relatou também que essa solução gera um fluxo de recursos que volta para a ferrovia, contribuindo para a sua sustentabilidade financeira.

Já sobre a desregulamentação do transporte privado, o jornalista esclareceu que o movimento de urbanistas de mercado apoia que qualquer empresário que queira oferecer algum tipo de mobilidade deve ter autorização para isso, compondo o que ele chamou de um “bufê de transporte de massa”, o que elevaria a competição com o serviço disponibilizado pelas localidades. Por fim, ele observou que é preciso cobrar pelo estacionamento gratuito nas ruas e que o espaço dos meios-fios poderia ter outras funções, como a instalação de mesas de bares e cafés, proporcionando uma experiência urbana mais rica.

Municípios privados: uma tendência para o século XXI?

Empreendimentos de uso misto, nos quais os indivíduos vivem, trabalham e se divertem, as cidades privadas, também conhecidas como cidades startups, são lugares idealizados, erguidos e operados pela iniciativa privada e que contam com suas próprias regras para administrá-los, como relata artigo da Forbes. Ainda segundo a publicação, há uma dezena de localidades dessa natureza sendo edificadas pelo planeta, como na América Central, Ásia, Oceania e África, transformando-se em uma tendência de desenvolvimento urbano do século XXI.

Geridos por CEOs em vez de prefeitos, esses municípios funcionam como zonas econômicas especiais e são construídos em terrenos governamentais comprados por empresas. Songdo, na Coreia do Sul, é um dos exemplos de cidade que está sendo erguida através de uma parceria público-privada (PPP). Instalada em uma ilha artificial a cerca de 40 quilômetros de Seul, a região possui em torno de 180 mil habitantes e é operada pela Gale International e pela Posco. Inspirada em Nova York e em Veneza (Itália), a localidade foi iniciada em 2003, conforme reportagem do g1, e inaugurada em 2015.

Diferentes inovações foram implementadas em Songdo, como a medição do consumo de eletricidade das residências por minuto, dados que são mostrados em um painel, a colocação de câmeras em pontos estratégicos para saber o volume de veículos que cruzam a ponte que leva ao município e o controle do tráfego é feito por um grande centro de monitoramento. Além disso, a cidade é plana, com muito verde em suas ruas, fácil de se deslocar de bicicleta e possui estações de carregamento de automóveis elétricos.

Próspera, em Honduras, é outra referência quando o assunto são localidades startups. Uma Zona de Emprego e Desenvolvimento Econômico (Zede) foi estabelecida pelo governo do país, em 2013, para dar autonomia às companhias que adquiriram uma área na Ilha de Roatán, no Caribe. O projeto é efetuado pela Honduras Próspera LLC, incorporadora sediada em Delaware (Estados Unidos), que espera atrair investimentos estrangeiros de 500 milhões de dólares e criar aproximadamente 10 mil empregos até 2025. Com a expectativa de chegar a 38 mil moradores em 2030, Próspera tem o seu modelo de lei baseado em regulamentações dos Estados Unidos, Inglaterra, Nova Zelândia e de outros lugares.

Como uma Zede, conta com um status jurídico de município e é sua responsabilidade disponibilizar infraestrutura para os seus habitantes, como educação, saúde e segurança. Existe também um Centro de Arbitragem, que cuida de todas as disputas das Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico, inclusive as trabalhistas, e tem árbitros que passam por um rigoroso procedimento de seleção. Outras localidades como Próspera e Songdo são Forest City, na Malásia, Springfield, na Austrália, Jiaolong, na China, Eko Atlantic Economic City, na Nigéria, e Ciudad del Saber, no Panamá.

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