Upzoning

Alterar as regras de uso e ocupação do solo para que moradias de tipos e tamanhos diversos sejam erguidas é uma das medidas adotadas por diferentes cidades para diminuir a falta de habitações e melhorar a acessibilidade às unidades. A solução, que gera debates sobre sua eficiência, vem sendo estudada por especialistas que dizem que os resultados são mais positivos quando o upzoning é aplicado em uma grande área.

Até 2030, o Brasil terá uma demanda de 30,7 milhões de residências, projeta levantamento realizado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV). A estimativa foi feita com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O relatório mostrou ainda, conforme matéria da revista Exame, que havia em 2019 uma carência de 7,79 milhões de imóveis – uma queda de 1,5% no déficit de moradias entre 2017 e 2019. Mesmo com uma leve melhora no período, o cenário nacional continua apresentando desafios que podem ser observados em outros países do mundo que também enfrentam dificuldades para atender à necessidade crescente por habitações.

O upzoning, que é um termo utilizado para descrever mudanças efetuadas nos códigos de zoneamento dos municípios para liberar a edificação de empreendimentos imobiliários mais densos, é um dos caminhos que muitas localidades vêm seguindo para tentar reduzir a escassez de unidades. Para entender os reflexos dessa estratégia nas cidades, uma série de pesquisas vem sendo desenvolvida em distintos contextos. Investigações mais recentes revelam que essa ação, combinada a outras políticas voltadas para a construção de mais residências, como a diminuição dos limites mínimos de estacionamentos, pode aumentar a oferta e a acessibilidade aos imóveis e reduzir os preços dos aluguéis, detalha artigo do Planetizen.

No entanto, a publicação reforça que para alcançar esses efeitos o upzoning precisa ser permitido em uma ampla região, isso possibilitaria, por exemplo, a edificação de moradias como duplex, triplex e pequenos prédios multifamiliares em bairros com infraestrutura qualificada. Aqueles que se opõem a essas modificações, acrescenta o Planetizen, afirmam que essa iniciativa, em vez de promover uma queda nos valores das habitações, causa um incremento nos preços das unidades. A tendência, explica o artigo, é que ocorra uma elevação dos valores em áreas urbanas densas – das residências e dos terrenos –, por isso o upzoning deve ser aplicado em um território extenso. Dessa forma, uma quantidade maior de terras ficaria disponível, criando um mercado mais competitivo, desacelerando o crescimento dos preços dos terrenos que acompanham upzones mais concentrados e possibilitando que imóveis de valores mais baixos sejam erguidos, defende o professor do Centro Lewis para Estudos de Política Regional da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), Shane Phillips.

Em seu estudo “Building Up the ‘Zoning Buffer’: Using Broad Upzones to Increase Housing Capacity Without Increasing Land Values (Construindo o ‘amortecedor de zoneamento’: usando grandes zonas ascendentes para incrementar a capacidade habitacional sem elevar o preço da terra)”, publicado em 2022, ele enfatiza que a acessibilidade à moradia só será atingida com um amplo upzoning, definido por ele como uma alteração dos códigos de utilização e ocupação do solo que permita uma densidade, pelo menos, moderada, de cerca de seis a dez unidades, em uma extensa área. Ainda segundo Phillips, essa medida favorece os empreendedores de pequena escala, que poderiam edificar residências médias, como prédios de apartamentos de três a quatro andares, por exemplo, e também aos locatários e compradores de casas de todas as faixas de renda. Ele finaliza seu trabalho frisando que o “amplo upzoning representa uma estratégia realista para melhorar a acessibilidade à habitação a longo prazo”.

Já as docentes do Centro Furman da Universidade de Nova York (NYU), Vicki Been, Ingrid Gould Ellen e Katherine O’Regan, lançaram no ano passado a revisão de levantamento concretizado por elas sobre o assunto. O estudo “Supply Skepticism Revisited: What New Research Shows About the Impact of Supply on Affordability (O ceticismo da oferta revisitado: o que novas pesquisas mostram sobre o impacto da disponibilidade na acessibilidade)”, atualiza relatório de 2019, como destaca o Planetizen. Entre as conclusões, as professoras indicam que levantamentos mais recentes sobre o tema demonstram que o aumento da oferta de imóveis retarda o incremento dos aluguéis na região onde ocorreu o upzoning, assim como, em alguns casos, as novas moradias diminuem o valor das locações do entorno.

Os dados obtidos pelas professoras apontam que as construções mais recentes desencadeiam uma movimentação que acaba liberando apartamentos que são alugados por famílias de todos os espectros de renda. A gentrificação (processo de mudança de uma comunidade ocasionada pela valorização de um bairro, com o afastamento dos moradores mais antigos e com menos recursos), outro ponto argumentado pelos críticos da autorização para empreendimentos mais densos em determinadas comunidades, também foi apurada pelas pesquisadoras. De acordo com o resultado, não foi comprovado que o upzoning promova um deslocamento significativo de pessoas de renda mais baixa. O estudo verificou ainda que a flexibilização das restrições de uso do solo, em geral, produz mais residências ao longo do tempo.

Levantamento investiga reflexos da reforma de leis de zoneamento em municípios dos EUA

A autorização para que edificações de variados tipos e tamanhos sejam erguidas nas localidades é vista por muitos desenvolvedores e pesquisadores de políticas urbanas como uma das principais soluções para expandir o número de unidades disponíveis no mercado, algo que seria possível através da revisão das normas de uso e ocupação do solo. Um estudo sobre os efeitos da flexibilização das regras de zoneamento no estoque de imóveis foi realizado pelo Urban Institute e chegou a resultados em sintonia com o trabalho das professoras do Centro Furman da NYU. O relatório “Land-use reforms and housing costs: Does allowing for increased density lead to greater affordability? (Reformas no uso da terra e custos das moradias: Permitir a elevação da densidade leva a uma maior acessibilidade?)” empregou algoritmos de aprendizagem de máquina para buscar artigos de jornais dos Estados Unidos, entre 2000 e 2019, que tratassem do assunto.

Com isso, foram descobertas 180 modificações em leis que aumentaram a densidade permitida (upzoning) ou que a reduziram (downzoning) em 1.136 cidades de oito áreas metropolitanas norte-americanas. Essas informações foram somadas a dados do Serviço Postal daquele país sobre contagem de endereços e a outros sobre demografia, aluguéis e residências acessíveis a famílias de diversas rendas para analisar as relações entre a flexibilização ou o endurecimento das normas de zoneamento e a disponibilidade e os valores das habitações para locação.

Foi averiguado que as revisões que afrouxaram as restrições estão associadas a um incremento estatisticamente representativo de 0,8% na oferta de imóveis no prazo de três a nove anos depois das alterações, tendo em conta o estoque novo e existente de unidades. Essa elevação, sustentam os idealizadores do levantamento, acontece predominantemente para as moradias com preços mais altos. Contudo, eles consideram que os impactos são positivos em toda a esfera de acessibilidade, não podendo excluir que eles sejam equivalentes em famílias com outros rendimentos.

Já as mudanças que acentuaram as exigências de zoneamento e diminuíram as densidades autorizadas estão ligadas ao incremento das rendas medianas e a uma queda nas residências acessíveis para os locatários de rendimentos médios. As informações compiladas sugerem que há, nos casos avaliados, uma conexão entre menos restrições de uso do solo e mais habitações construídas, porém em curto prazo isso ainda é insuficiente para ampliar a quantidade de imóveis acessíveis para famílias de baixa e média renda, precisando, na opinião dos estudiosos, que essa ação seja aliada a outras estratégias.

Exemplos de upzonigs que estão atingindo bons retornos pelo mundo

A Nova Zelândia registrou entre 2011 e 2021 uma alta no preço médio das moradias de em torno de 130%, ultrapassando o crescimento dos rendimentos familiares e reduzindo o acesso às residências, detalha o economista e professor da Escola de Negócios da Universidade de Auckland, Ryan Greenaway-McGrevy, em artigo para o instituto de pesquisa Brookings. A falta de oferta de unidades, informa ele, colaborou para a elevação dos custos das habitações. A esse panorama, o economista agrega que, entre 2013 e 2018, a população daquele país aumentou 10,8% enquanto o estoque de imóveis ocupados teve um incremento somente de 6,6% no mesmo intervalo – evidenciando que há um déficit de moradias nos locais onde as pessoas querem viver.

Diante dessa situação, o governo neozelandês aprovou, em 2021, uma reforma das regras de zoneamento para liberar a edificação de residências de densidade média, também conhecidas como Missing Middle Housing (Casas Médias Desaparecidas), nos principais municípios da nação. A legislação, proposta pelo governo Trabalhista e que teve o apoio do partido de oposição, o Nacional, permite construções com até três andares ou três unidades em todos os terrenos dessas cidades, inclusive, naquelas regiões onde antes apenas habitações unifamiliares eram autorizadas. A política, salienta Greenaway-McGrev, foi inspirada no upzoning de Auckland, que ocorreu em 2016.

Essa medida, conforme o professor, acabou com o zoneamento unifamiliar em três quartos das terras suburbanas da maior localidade da Nova Zelândia – com cerca de um terço dos 5 milhões de moradores do país – e está relacionada a um grande crescimento nas obras de novos imóveis, a maioria deles com várias unidades. Greenaway-McGrev acrescenta que a iniciativa do município resultou em um “boom na construção” e que mais residências vêm sendo erguidas desde a implementação das normas, com essa elevação ocorrendo nos espaços urbanizados da cidade. O economista Matthew Maltman complementa, em seu site One Final Effort, que os valores das casas aumentaram mais lentamente em Auckland do que no resto da nação desde o upzoning e foram menos sensíveis às modificações nas taxas de juro.

Minneapolis (Minnesota) é outra referência citada por Maltman e foi a primeira cidade dos Estados Unidos a abolir o zoneamento unifamiliar, possibilitando que duplexes e triplexes sejam edificados na maioria dos quarteirões. Ele explica que na localidade a lei de uso do solo foi sendo flexibilizada aos poucos, desde 2018, com alterações que eliminaram os requisitos mínimos de estacionamento e que facilitaram a construção de unidades habitacionais acessórias, como apartamentos em cima de garagens e pequenos anexos nos pátios.

Muitas dessas modificações fazem parte do plano Minneapolis 2040, lançado em 2020, que estabelece uma série de ações para estimular o município para o futuro em áreas como as de moradia, trabalho, igualdade racial e mudanças climáticas. O economista comenta que, apesar da quantidade de duplexes e triplexes ainda ser baixa, houve um crescimento importante nesse segmento desde a aprovação do programa, os aluguéis na cidade evoluíram mais devagar do que a média dos Estados Unidos e que a quantidade de estacionamentos por imóvel teve uma queda.

Nova York é mais um exemplo de lugar que adotou o upzoning, como recorda o economista Jason Barr em artigo para o Caos Planejado. Ele conta que, entre 2004 a 2013, a metrópole teve 40% dos seus terrenos residenciais rezoneados, com as regiões centrais de Manhattan, Brooklyn e oeste do Queens, que tinham zonas industriais subutilizadas, quarteirões na orla e bairros acessíveis pelo transporte público, liberadas para a edificação de habitações mais densas. O levantamento “The Effect of Rezoning on Local Housing Supply and Demand: Evidence from New York City (O efeito do rezoneamento na oferta e demanda local de moradias: evidências da cidade de Nova York)”, de 2023, verificou que o número de imóveis na área abrangida pelo upzoning cresceu mais de 4% sete anos depois da adoção da solução em comparação com os terrenos que não foram atendidos pelas alterações e ficavam a até 305 metros de distância.

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