Espaços seguros e vibrantes para as pessoas, com comércio variado, calçadas qualificadas e árvores pelo trajeto, apresentam resultados econômicos melhores que ambientes planejados para os veículos e o trânsito rápido. Diversos estudos mostram que pedestres e ciclistas gastam mais nesses locais que motoristas.
Apesar da resistência que muitos empreendedores ainda fazem, a transformação de estacionamentos e de faixas para automóveis em lugares atrativos e com segurança para quem caminha e pedala traz reflexos positivos para os seus estabelecimentos, movimentando e desenvolvendo a economia da região em que estão instalados. Diferentes pesquisas nessa área reforçam que vias dinâmicas são mais frequentadas por pedestres, ciclistas e usuários de transporte público, que acabam consumindo em negócios que podem ser vistos e acessados facilmente pelas calçadas.
Levantamento realizado em municípios da Espanha para observar o efeito econômico de ruas caminháveis apontou que lojas em espaços voltados para quem anda a pé tendem a ter volumes de vendas mais elevados do que aquelas que ficam em vias que priorizam a circulação de carros, destaca artigo do Mobility, site focado em mobilidade sustentável. O estudo “Street pedestrianization in urban districts: Economic impacts in Spanish cities (Pedonalização das ruas em bairros urbanos: impactos econômicos nas cidades espanholas)” verificou que ambientes adequados para os pedestres aprimoram a experiência de consumo, atraem mais clientes para o varejo e aumentam as vendas.
Outro ponto revelado pela pesquisa, que durou cerca de dois anos e abrangeu 14 localidades – entre elas Barcelona, Madri, Granada, Sevilha, Valência e Málaga –, é que caminhar incrementa as compras aleatórias em comparação com as intencionais, quando o indivíduo sai em busca de algo específico. O trabalho descobriu também que há uma relação entre a mudança do uso do solo de um lugar e a quantidade de vendas efetuadas, isso significa que vias que não eram caminháveis anteriormente tiveram reflexos econômicos positivos quando se tornaram mais amigáveis para as pessoas.
A investigação, que combinou informações sobre transações com cartão de um banco espanhol com alterações históricas no uso da terra reunidas no OpenStreetMap, apurou ainda que a densidade de comércios em uma rua caminhável é um fator decisivo para o crescimento das vendas, mais do que a posição geográfica. Além disso, averiguou que a maior presença de cafeterias e restaurantes atrai mais cidadãos para as regiões caminháveis do que para as centradas nos veículos.
Na mesma linha, levantamento concretizado em Berlim demonstrou que pedestres, ciclistas e usuários de transporte coletivo contribuíram com 91% da receita total de estabelecimentos de duas importantes vias que ficam em bairros movimentados e turísticos da capital alemã, como ressalta matéria do Somos Cidade. Durante três meses de 2020, 2.019 consumidores em potencial e 145 empreendedores das ruas Kottbusser Damm e Hermannstrasse foram entrevistados para o estudo “Local Business Perception vs. Mobility Behavior of Shoppers: A Survey from Berlin (Percepção de negócios locais versus comportamento de mobilidade dos compradores: uma pesquisa de Berlim)”, desenvolvido por Dirk von Schneidemesser e Jody Betzien, no Institute for Advanced Sustainability Studies (IASS) de Potsdam (Alemanha).
Os responsáveis pelo levantamento afirmaram que a oposição de empresários e de associações comerciais à redução de vagas para automóveis e à expansão das calçadas e das ciclovias é “um tanto contraintuitiva”, já que vários estudos relatam que os varejistas “lucram com a infraestrutura de viagens ativas”. Eles constataram também que a maioria do público que respondeu às perguntas, mais de 50%, faz suas compras a pé, depois vêm aqueles que utilizam ônibus ou trem e os que se deslocam de bicicleta.
Entre os entrevistados, 73% deles já haviam consumido em uma das ruas e os demais pretendiam adquirir algo, mesmo que não tivessem ido até aquele endereço com esse objetivo principal. Um dado relevante enfatizado pelos pesquisadores é que, mesmo com uma média de valor gasto menor que a dos motoristas (que é de 23,45 euros), ciclistas (11,98 euros) e pedestres (11,63 euros) visitam as lojas de vias caminháveis um número de vezes muito maior, gastando mais no total do quem dirige até esses estabelecimentos.
A mesma conclusão foi obtida em relatório da Autoridade de Transportes do Condado de São Francisco (EUA), que identificou que os usuários de transporte coletivo e aqueles que andam até seus destinos consomem mais por mês do que os condutores de carros nos comércios de ruas caminháveis, conforme acrescenta artigo da diretora de Programa do Strong Towns, Rachel Quednau. Ela salienta que distintos levantamentos indicam que vias orientadas para pessoas são mais produtivas economicamente do que as pensadas para os veículos, seja em grandes ou pequenos municípios, e incentivam a atividade comercial. Áreas compactas, com boas calçadas, arborização e acessíveis a pé geram muito mais valor fiscal por acre (4.046,86 metros quadrados) em relação a espaços planejados para os automóveis nos Estados Unidos, complementa Rachel.
Vantagens das ruas caminháveis vão de menor custo de infraestrutura a maior geração de riquezas
O estudo “Foot Traffic Ahead 2023 (Tráfego a pé à frente, em tradução livre)”, elaborado pela Smart Growth America e Places Platform, analisou as 35 maiores regiões metropolitanas dos Estados Unidos para identificar as facilidades de caminhar nesses lugares e as modificações que ocorreram nos ambientes urbanos desde 2019. Cerca de 20% do PIB real total daquele país e 6,8% da sua população estão localizados em áreas urbanas transitáveis, que representam somente 1,2% da massa terrestre dos espaços avaliados, segundo a pesquisa.
Os benefícios de zonas caminháveis listados pelo documento, de acordo com artigo da Smart Growth America, englobam ainda o potencial de qualificar a saúde das comunidades ao estimular a atividade física (como andar a pé ou de bicicleta), a diminuição das emissões de gases de efeito estufa que ocorre ao reduzir o uso de carros e a promoção da equidade ao ampliar o acesso a oportunidades econômicas e de trabalho. O Condado de Arlington, na Virgínia, é um dos exemplos citados no levantamento, como assinala artigo do Fórum Econômico Mundial. A região converteu 10% do seu território em ambientes urbanos caminháveis de alta densidade ao longo do trajeto do trem que liga o condado ao centro de Washington DC. Essa área, no ano passado, gerava mais de 50% das receitas fiscais da cidade.
Outro aspecto favorável das vias voltadas para as pessoas é que o custo de implementação e manutenção da sua infraestrutura é menor do que os recursos gastos em lugares centrados nos veículos, como descreve artigo do Strong Towns. Para Rachel Quednau, autora do texto, o valor necessário para a pavimentação de calçadas é “minúsculo” se comparado aos empregados para asfaltar ruas largas para os automóveis, instalação de semáforos, salários de agentes públicos de trânsito, entre outros elementos envolvidos quando se edifica espaços em torno dos carros.
Da mesma forma, o desgaste causado pelo fluxo de pedestres é insignificante em relação ao que os veículos provocam nas pistas, demandando mais conservação e reparos. A diretora de Programa do Strong Towns frisa que uma calçada pode ser utilizada por milhares de indivíduos durante décadas, com apenas um investimento inicial e custos mínimos de manutenção para os municípios, assim como apoiaria dezenas de empresas locais. Já a mesma extensão de rua projetada principalmente para automóveis teria um custo exponencialmente maior para ser construída e mantida e atenderia somente a algumas companhias.
Programa Ruas Abertas de Nova York aumentou vendas de negócios durante a Covid-19 e segue em funcionamento
Fechar algumas vias para os carros e permitir que restaurantes, cafés e bares servissem refeições ao ar livre foi uma das iniciativas adotadas pela cidade de Nova York (EUA) para ajudar os empreendimentos a se manterem abertos na pandemia de coronavírus. O Open Streets (Ruas Abertas), que entrou em operação em 2020, deu tão certo que virou permanente a partir de 2021, com corredores livres de veículos nos cinco distritos do município: Manhattan, Brooklyn, Bronx, Queens e Staten Island. Diversas atividades que impulsionem o desenvolvimento econômico, facilitem a mobilidade de pedestres e ciclistas e proporcionem novas maneiras dos moradores da localidade aproveitarem os ambientes públicos podem ser efetuadas nessas áreas, como apresentações culturais, feiras, eventos para crianças, entre outros.
Os efeitos econômicos das Ruas Abertas no período da Covid-19 foram divulgados, em outubro de 2022, pelo Departamento de Transportes municipal (NYC DOT) através do relatório “Streets for Recovery (Ruas para a Recuperação)”, feito em parceria com a Bloomberg Associates. Nos cinco corredores analisados – em Chinatown e Koreatown em Manhattan, ao longo da Vanderbilt Avenue e da Quinta Avenida no Brooklyn, e Ditmars Boulevard no Queens – foi verificado, entre 1 de março de 2020 e 31 de agosto de 2021, uma elevação representativa nas vendas e na quantidade de restaurantes e bares inaugurados durante a Covid-19 em comparação com estabelecimentos de vias dos mesmos bairros que permaneceram com trânsito de automóveis. Além disso, o número de negócios que conseguiram se manter nesse período nas Open Streets foi mais expressivo que o de outras ruas dessas regiões.
A mudança cultural ocorrida na pandemia, com uma maior valorização dos lugares idealizados para as pessoas em vez de para os carros, levou a prefeitura de Nova York a promover alterações em outras vias, como na Avenida Broadway. Conforme reportagem da NBC, Manhattan está passando por uma reforma para transformar uma rua movimentada em um espaço mais caminhável e seguro para pedestres e ciclistas. O plano “Broadway Vision”, do governo da cidade, foi concebido para disponibilizar mais praças, vias e ambientes protegidos e convidativos ao longo dessa avenida, entre a West 21st Street e a West 33rd Street.
O prefeito Eric Adams comentou que o objetivo do projeto é melhorar a qualidade de vida perto dos grandes centros turísticos de Nova York, o que ele acredita ser fundamental para a recuperação econômica do município. O programa prevê ainda ciclovias de mão dupla, alargamento das calçadas, a autorização para refeições ao ar livre em uma das praças que serão erguidas no percurso da Broadway e menos área para os veículos.
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