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Locar uma habitação ou realizar o sonho da casa própria está cada vez mais difícil e caro. Diversas pesquisas sobre medidas para reverter esse quadro foram revisadas recentemente e reforçam que elevar a edificação de unidades é um dos caminhos para atingir esse objetivo.

O custo com moradia no Brasil subiu três vezes mais que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, em 2023 – tornando mais complicada a missão de encontrar um imóvel para alugar ou comprar. O valor da locação residencial aumentou, em média, 16,16% no ano passado, conforme dados do indicador FipeZAP, divulgados em janeiro de 2024. Ainda segundo o levantamento, ressaltado na matéria da IstoÉ Dinheiro, habitações com apenas um dormitório foram as que tiveram a maior elevação. Entre as 25 cidades monitoradas pelo FipeZap, que usa como base de informações anúncios veiculados na internet, Goiânia (GO), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ) foram as capitais com maior incremento no preço dos aluguéis no ano passado.

O País tem atualmente um déficit de aproximadamente 6 milhões de unidades e uma necessidade de mais 6,6 milhões de moradias novas nos próximos dez anos, revela estudo elaborado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), apresentado em abril. Para zerar essa escassez, assinala reportagem do Uol, o Brasil terá que investir até 2033 cerca de R$ 1,98 trilhão. A falta de imóveis e os altos valores das propriedades são uma situação vivida por várias nações, que buscam iniciativas que possam contribuir para mitigar esse problema e melhorar a acessibilidade das pessoas de todas as faixas de renda às residências.

A edificação de mais habitações é a principal proposta salientada por distintas pesquisas desenvolvidas nos últimos anos em diferentes países e realidades. Apesar das evidências já encontradas, muitos permanecem céticos quanto aos benefícios dessa ação. Duas revisões de levantamentos efetuados nesse campo foram concretizadas recentemente: uma delas por três diretoras do Furman Center da Universidade de Nova York (NYU, EUA) e outra pelo órgão de governança regional de Londres (Inglaterra).

O estudo conduzido pelas professoras da NYU, Vicki Been, Ingrid Gould Ellen e Katherine M. O’Regan, confirma que as regras de oferta e demanda também se aplicam às moradias e que construir mais pode desacelerar o crescimento do valor das locações nos municípios e liberar mais unidades acessíveis em bairros vizinhos, sem causar deslocamentos significativos – uma das maiores preocupações daqueles que não se mostram entusiasmados com essa estratégia. A investigação das docentes, que se debruçaram sobre uma grande quantidade de artigos, detalha os resultados obtidos por diversas pesquisas, como, por exemplo, uma realizada em localidades da Alemanha, entre 2010 e 2017, que descobriu que quando a disponibilidade anual de novos imóveis aumentava em 1%, o valor dos aluguéis médios caía em 0,2%. Além disso, verificou que erguer residências com preços de mercado aliviava os encargos de custos para locatários em todo o espectro de renda, como destaca reportagem da Bloomberg.

O rezoneamento de Auckland (Nova Zelândia), que há seis anos permitiu que habitações mais densas fossem edificadas em cerca de 75% do seu território, foi o tema de outro levantamento revisitado pelas autoras. A modificação das leis de uso e ocupação do solo produziu uma elevação do estoque de moradias em torno de 4,1% e os valores médios dos aluguéis de unidades de três quartos em toda a cidade ficaram de 26% a 33% mais baixos que as de zonas urbanas semelhantes. Uma ressalva feita pela Bloomberg é que as locações subiram nos municípios mais caros do mundo, mesmo naqueles que adicionaram mais imóveis. No entanto, as professoras enfatizam que os estudos avaliados reforçam que esses preços teriam um aumento maior se não fosse pelo acréscimo de mais residências.

Apesar da variedade de pesquisas desencadeadas nessa área, um ponto frisado pelas docentes é que é difícil mensurar como as habitações mais recentes impactam os valores nos bairros de maneira individual. Isso porque, explica a matéria, as moradias tendem a ser construídas em lugares que estão aquecidos (com maior procura), o que torna mais complexo desagregar o efeito local de novos prédios de apartamentos de outros fatores que levam as comunidades a ficarem mais caras, como a introdução de mais comodidades, por exemplo.

Um levantamento de 2021 que tentou retirar a questão da demanda em sua averiguação foi o da pesquisadora da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), Kate Pennington, que estudou a edificação de unidades em lotes de São Francisco após a ocorrência de grandes incêndios. Ela apurou que o preço das locações em prédios próximos desses terrenos tiveram uma queda de 1,2% a 2,3%. Já em Nova York, relatório da economista Xiaodi Li, complementa a Bloomberg, relatou que para cada elevação de 10% no estoque de imóveis, os aluguéis em um raio de cerca de 150 metros de novos empreendimentos residenciais diminuíam 1%, assim como os valores de venda de propriedades próximas também reduziam.

Mais habitações levam a cadeias de mudanças que abrangem todas as faixas de renda

Tanto o trabalho elaborado na Universidade de Nova York (NYU) como o levantamento feito pelo sociólogo e pesquisador do Departamento de Moradia e Terras do Greater London Authority (conhecida informalmente como prefeitura da capital inglesa), James Gleeson, identificaram que novas unidades geram movimentos que podem melhorar as opções e acessibilidade aos imóveis das famílias com distintos rendimentos. As revisões recentes, informa a Bloomberg, demonstram que mais construções podem, de fato, provocar alterações nos bairros, consideradas por muitos como gentrificação – a edificação de residências tende a atrair indivíduos com renda e escolaridade maiores e fazer com que antigos habitantes com rendimentos mais baixos deixem suas comunidades.

Porém, as professoras da NYU afirmaram que esses receios são exagerados e que as novas propriedades costumam atenuar o deslocamento de moradores de baixa renda ou o incrementam modestamente. Para exemplificar essa reflexão, elas comentaram sobre o estudo desenvolvido por Kate Pennington, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que descobriu ainda que, mesmo que empreendimentos recém erguidos e os terrenos no seu entorno tenham atraído pessoas de alta renda, o risco de mudança e a probabilidade de recebimento de uma notificação de despejo em um prédio com aluguel controlado a 100 metros do novo complexo caíram. Ela verificou também que o deslocamento de indivíduos para outros bairros diminuiu, em média, 17,14% para quem vive a cerca de 500 metros do edifício construído há pouco tempo.

Uma das conclusões do levantamento de Gleeson é que as vantagens da nova oferta de unidades vão além das melhorias na acessibilidade. Para ele, o reflexo mais imediato é que a cadeia iniciada por essa solução pode possibilitar que muitas famílias se transfiram para uma casa mais qualificada ou que atenda de uma forma mais eficiente as suas necessidades. A pesquisa de Evan Mast, que investigou a migração de pessoas em aproximadamente 700 empreendimentos multifamiliares com preços de mercado erguidos, entre 2009 e 2017, na região central de 12 grandes localidades dos Estados Unidos, é citada pelo sociólogo e pelas docentes da NYU.

Seguindo a movimentação de 52 mil residentes, Mast percebeu que os habitantes desses novos imóveis, aponta a reportagem da Bloomberg, eram principalmente indivíduos vindos de áreas de alta renda próximas e que 20% se mudaram de espaços de rendimento abaixo da média. Ele notou um efeito cascata que abrange todo o mercado imobiliário, conhecido como filtragem, no qual a edificação de complexos de alto padrão libera propriedades para a classe média, que por sua vez deixa suas moradias para famílias de baixa renda. Mast averiguou que de todos os inquilinos que se deslocaram para o sexto apartamento nessas cadeias, 40% eram de regiões de baixos rendimentos.

Nesse mesmo campo, especialistas de Helsinque (Finlândia) conseguiram analisar a renda real das famílias que estavam indo para uma nova unidade e não apenas a demografia do último bairro em que viveram, descreveram as docentes da Universidade de Nova York para a Bloomberg. O resultado apurado foi semelhante ao de Mast. Elas ressaltaram que, enquanto as residências construídas há pouco tempo em bairros caros da cidade recebiam principalmente pessoas com rendimentos altos, as cadeias de mudança decorrentes dessas habitações rapidamente atingiram as áreas de renda média e baixa.

O levantamento efetuado no município finlandês comparou ainda aos deslocamentos estimulados por novos imóveis a preço de mercado nos distritos comerciais com aqueles impulsionados por um projeto de moradia social com aluguel regulado no mesmo bairro. “É claro que a primeira movimentação parecia muito diferente porque a residência social tinha restrições de rendimentos. Mas, quando se chega à quarta movimentação, os indivíduos que vão para os apartamentos desocupados como parte da cadeia pareciam idênticos entre a habitação social e a de preço de mercado”, relatou a professora Vicki Been à Bloomberg.

Repensar zoneamento urbano é uma das medidas para erguer mais unidades

Mesmo ante uma diversidade de pesquisas enfatizando os benefícios de aumentar o estoque de imóveis, ainda há muitos céticos quanto a adoção dessa política para reverter o atual cenário de déficit de moradias. Existem também dúvidas sobre quais iniciativas devem ser implementadas para incentivar que mais residências sejam edificadas nas localidades. As docentes da Universidade de Nova York (NYU) resumiram alguns dos principais pontos a serem observados por gestores e planejadores, como a modificação das leis de zoneamento urbano.

A revisão das restrições das normas de uso e ocupação do solo se tornou uma resposta cada vez mais popular para essa questão, de acordo com a Bloomberg. A docente da NYU e uma das coautoras do trabalho que avaliou dezenas de pesquisas sobre os impactos da construção de mais habitações, Ingrid Gould Ellen, disse, em entrevista para o Caos Planejado, que distintas estratégias funcionam melhor em diferentes cidades. Conforme ela, o desafio para muitos lugares é exatamente selecionar as mais adequadas para o seu município.

Ingrid salientou também que o trabalho realizado por ela e suas colegas concluiu que reformas na regulação do uso do solo, como a flexibilização do zoneamento, podem ser uma maneira eficaz de elevar a oferta de propriedades. Contudo, a professora frisou que outros fatores, como demanda, financiamento, mão de obra e falta de disponibilidade de imóveis, podem reduzir os reflexos das alterações regulatórias. “Em alguns casos, são necessárias ações mais proativas, como isenções fiscais para desenvolvedores que constroem unidades acessíveis”, ponderou.

Outro aspecto assinalado por Ingrid foi que aumentar a produção de moradias e enfrentar as desigualdades na distribuição das residências são objetivos relacionados, mas que podem não ter as mesmas soluções. “Para endereçar as desigualdades, é importante considerar políticas que combatam ativamente a segregação e a discriminação. Criar bairros de renda mista para diminuir a segregação habitacional e garantir que os locadores não discriminem potenciais inquilinos que desejam pagar com auxílio moradia são exemplos de metas políticas que podem reduzir algumas das desigualdades”, reforça.

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