Com o crescimento populacional e o aquecimento global, as localidades precisam repensar suas ações e políticas nas escalas regional, de bairro e de rua. Entender os elementos que afetam a sustentabilidade de um lugar, como eles interagem e auxiliar as prefeituras a fazerem as alterações necessárias é a proposta do Manual de Design Urbano Sustentável, lançado este ano.
Depois das chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul em maio e atingiram cerca de 2,4 milhões de pessoas, agora uma seca histórica e queimadas castigam diversos estados brasileiros. De 1º de janeiro a 26 de agosto de 2024, foram registrados mais de 109 mil focos de incêndio em todo o País, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse número representa uma elevação de 78% em comparação com o mesmo período do ano passado, aponta matéria da CNN. Mato Grosso, Pará e Amazonas são as regiões mais afetadas.
A maior intensidade e quantidade desses – e de outros – eventos no Brasil e no mundo reforçam a urgência dos municípios se tornarem mais sustentáveis e preparados para enfrentarem os desafios da mudança climática, do aumento populacional, da expansão dos territórios, da poluição e da diminuição do consumo de recursos naturais e das emissões de gases de efeito estufa – as cidades são responsáveis por mais de 70% da geração de CO2 no planeta. Anualmente, mais de 13 milhões de indivíduos morrem por causa da exposição a fatores de risco ambientais, como a contaminação do ar e da água e a presença de substâncias químicas na atmosfera, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
As localidades têm papel significativo nesse cenário, as decisões sobre transporte, desenho das ruas e dos bairros, oferta de áreas verdes e de lazer, geração e consumo de energia, moradia e acesso a serviços, como os de saúde e educação, impactam a qualidade dos espaços e de vida dos seus usuários e a sustentabilidade dos lugares – que em sua maioria não foi planejada com essa perspectiva em mente. Para ajudar os governos municipais a reconhecerem os elementos urbanos que devem ser observados em suas iniciativas e políticas públicas para reverter esse panorama e as interações entre eles, o professor de Arquitetura e Design Urbano da Universidade de Oregon (EUA) e diretor do Urbanism Next Center, Nico Larco, lançou a publicação “Sustainable Urban Design Handbook (Manual de Design Sustentável)”, com uma abordagem abrangente sobre o assunto, como descreve artigo do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU).
O urbanismo sustentável busca tanto mitigar os reflexos da crise climática como promover o desenvolvimento socioeconômico e ambiental das cidades, assegurando o bem-estar e evolução de suas comunidades. Nesse sentido, o livro de Larco, que tem a coautoria da arquiteta Kaarin Knudson, reúne distintas medidas que podem ser implementadas pelas localidades nas escalas regional, de bairro, do quarteirão e/ou da rua e do projeto (que seria a de integração entre os setores público e privado). O manual, que levou dez anos para ser concluído, foi elaborado em torno de uma tabela que facilita a identificação dos itens urbanos, suas sobreposições e efeitos em cada uma das escalas.
As propostas foram agrupadas em cinco segmentos: Energia e Emissões de Gases de Efeito Estufa (focado em transporte e uso do solo); Água Pluvial; Ecologia e Habitat; Energia – Uso e Produção (centrado no clima e habitação) e Equidade e Saúde (ênfase em acesso ao transporte, serviços, segurança e mobilidade social). Larco explicou ao Public Square que sua expectativa é que o guia funcione como uma ferramenta de design, auxiliando planejadores, urbanistas e gestores a compreenderem o que eles devem prestar atenção em suas decisões sobre os municípios e ainda como um instrumento de avaliação, verificando o que está, dentro de cada contexto, dando certo, o que pode ser aprimorado e aquilo que vai demandar parcerias para ser efetuado.
Além disso, o arquiteto afirmou que espera que a estrutura contribua para organizar as regulamentações e mostrar lacunas nas leis que impedem que alguns pontos específicos do desenho urbano atinjam os resultados esperados. Em agosto, o professor participou de webinar do CNU para detalhar seu manual e assinalar algumas ações que as cidades podem adotar para começarem a seguir um rumo mais sustentável. Entre elas, estão a criação de vias mais estreitas e a colocação de uma quantidade e variedade maior de árvores para melhorar o escoamento das águas pluviais. Larco comentou que um estudo realizado na Califórnia (EUA) demonstrou que a copa de uma árvore pode reter cerca de 24% da água que cai do céu. Corredores verdes e jardins de chuva são outras possibilidades para esse objetivo.
Avaliar as tipologias das residências de acordo com o clima de cada localidade, analisando exposição solar, ventilação e materiais a serem empregados nas edificações foi outra estratégia indicada pelo professor e que está presente na tabela. A acessibilidade ao transporte coletivo e a disponibilidade de áreas públicas foram outras iniciativas trazidas pelo arquiteto. Idealizar os espaços para todas as idades e necessidades e pensar na segurança para as pessoas circularem pelos municípios foram outros aspectos citados por Larco. A esses itens ele agregou a mobilidade social: ponderar como os ambientes físicos influenciam a capacidade de os cidadãos saírem da pobreza e como proporcionar mais acesso aos empregos, saúde, escolas e lazer.
Desenvolvimento compacto: uma das chaves para se ter regiões mais sustentáveis
Na tabela concebida pelo arquiteto e professor Nico Larco uma medida aparece repetidas vezes como uma das soluções para mitigar alguns dos problemas atuais das localidades: o crescimento compacto. Para o profissional, esse tipo de planejamento urbano pode colaborar para reduzir a utilização dos carros e incentivar que mais indivíduos caminhem e pedalem até os seus destinos. Ele ressaltou no webinar do Congresso para o Novo Urbanismo que diminuir as distâncias entre moradias, trabalho, comércios, serviços e entretenimento e permitir o uso misto do solo são meios para promover essa modificação na maneira como as pessoas fazem os seus trajetos e, com isso, minimizar as emissões de gases de efeito estufa e a poluição do ar e sonora.
O arquiteto salientou ainda a relevância de se conceber vias multimodais e de criar fachadas ativas, levando mais vida para o térreo das construções, o que eleva ainda a sensação de segurança dos indivíduos. Outra vantagem do design compacto é reduzir o espraiamento dos territórios e conservar mais espaços verdes e para o lazer. Três em cada quatro municípios no globo têm menos de 20% da sua área (dados de 2020) destinado a lugares públicos e ruas, conforme relatório de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 2023 da ONU – a meta é de 45% a 50%. O levantamento, que traz informações sobre o avanço dos alvos a serem alcançados até 2023 pelas cidades em 17 campos, relata também que uma em cada duas pessoas no mundo têm acesso adequado ao transporte coletivo (dado de 2022) e que 1,1 bilhão de indivíduos residem em favelas e que mais 2 bilhões devem passar a viver nos próximos 30 anos.
Responder à demanda por habitação e serviços e se desenvolver de maneira sustentável é uma missão difícil para as localidades. A idealização de municípios policêntricos é o caminho para conseguir esse equilíbrio defendido pelo professor de urbanismo da Universidade Politécnico de Milão (Itália), Fabiano Lemes de Oliveira, em reportagem do portal Terra. Um dos modelos mais conhecidos dessa proposta é a Cidade de 15 Minutos de Paris (França), que projeta a instalação de novas centralidades em diferentes bairros, onde os moradores podem resolver suas tarefas e atividades diárias com deslocamentos curtos a pé ou de bicicleta de até um quarto de hora.
Na opinião do criador do conceito de Cidades de 15 minutos, o pesquisador franco-colombiano e professor associado da Universidade Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, Carlos Moreno, essa forma de planejar os ambientes contribui para a reconexão dos residentes com as suas comunidades e o fomento da economia local. Oliveira complementou que nas capitais latino-americanas, que tiveram uma urbanização mais espraiada e desordenada, essa mudança envolve ainda o adensamento das regiões com melhor infraestrutura.
Ele pontua que o adensamento deve acontecer em conjunto com outras qualificações do espaço urbano, como a implementação de cunhas verdes, como é feito em Estocolmo (Suécia) e Copenhague (Dinamarca), que são áreas naturais que iniciam menores no Centro e se expandem em direção às periferias. Oliveira relata que elas reúnem potenciais para lazer, agricultura urbana, corredor ecológico (ao atrair a fauna) e ambiental (por facilitar a drenagem urbana, absorver dióxido de carbono, diminuir o efeito das ilhas de calor, entre outros benefícios).
Ações em diversas frentes buscam deixar municípios mais saudáveis e sustentáveis
Enxergando as cidades como metabolismos urbanos, um conjunto de infraestruturas e processos que operam em sintonia como o corpo humano, o escritório de arquitetura FABRICactions estabeleceu estratégias para deixar as localidades da Holanda, onde fica a sede da empresa, mais eficientes e com menores emissões de gases de efeito estufa, revela artigo do ArchDaily. Uma delas propõe a reutilização de fontes de calor para reduzir o consumo de energia e ativar o ambiente urbano. Em Rotterdam, por exemplo, os profissionais sugeriram o reuso de uma grande quantidade de calor residual de uma região industrial do município para esquentar habitações, prédios de escritórios, estufas e espaços públicos. Já em Brabante do Norte iniciativa similar foi adotada, redirecionando o calor para aquecer ciclovias, protegendo-as do gelo durante o inverno.
As medidas abrangem ainda o aproveitamento do lixo orgânico das cidades para fazer fertilizantes naturais e produzir energia através da biomassa {matéria-prima orgânica) e a reutilização de resíduos da construção civil para erguer bairros e localidades mais eficazes. A equipe do FABRICactions transformou um antigo complexo prisional de Amsterdam em um novo bairro residencial sustentável, com o emprego de cerca de 95% dos materiais da estrutura existente e diminuição das emissões de CO2 na implantação do projeto. Outra proposta do escritório foi a alteração das principais rodovias da capital holandesa para avenidas urbanas, acessíveis para pedestres e ciclistas, com estações de recarga para veículos elétricos e com vias subterrâneas para o tráfego pesado.
Também com o foco no trânsito, mas com a meta de minimizar o número de automóveis particulares nas ruas, Edimburgo (Escócia) possui um dos maiores clubes de compartilhamento de carros do Reino Unido. Isso significa que os moradores do município não precisam ter veículo próprio, mas pagam para entrar nesse clube e usar os automóveis apenas quando necessitam, acrescenta matéria da BBC. A publicação conta ainda que Londres (Inglaterra), Berlim (Alemanha) e Paris contam com sistemas de ônibus e metrô de alta qualidade, assim como zonas de baixa emissão, onde apenas carros que atendem aos critérios ambientais podem circular ou então pagam taxas para isso.
Em Vancouver (Canadá), por exemplo, há uma política com objetivos para reduzir a produção de resíduos e impulsionar programas de compostagem domiciliar, incentivando os habitantes a realizarem essa atividade em suas casas, informa artigo do site 123 Ecos. A publicação descreve ainda que Curitiba (Paraná) tem o “Câmbio Verde”, uma solução que motivas as pessoas a trocarem os seus resíduos por alimentos frescos. De pequenas a grandes ações, as possibilidades para tornar as cidades mais sustentáveis são muitas e podem ser adaptadas à realidade de cada lugar.
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