Descritos muitas vezes como shoppings verticais, os edifícios Zakkyo têm todos os seus andares ocupados por uma variedade de pequenos empreendimentos, que vão de clínicas médicas, escolas e salões de beleza a restaurantes, bares e karaokês. Mais lojas em uma menor área e mais pessoas circulando pelas ruas em todos os horários do dia são algumas das vantagens desses complexos.
É comum ver nas cidades japonesas bairros que misturam moradias independentes, prédios baixos para três, quatro ou mais famílias e distintos tipos de comércios e serviços. Essa multiplicidade de funções em um mesmo lugar é possível devido à maneira como o zoneamento urbano é estabelecido naquele país. Essas normas são determinadas de forma centralizada pelo governo para todo o território nacional e preveem o uso misto na maioria das regiões dos municípios. Mas, diferentemente do que se está acostumado no Ocidente, onde grande parte dos edifícios conta com negócios no térreo das construções e habitações ou escritórios nos pavimentos superiores, o Japão é pioneiro em estimular outra alternativa de utilização diversificada dos empreendimentos: os prédios zakkyo.
Nesses complexos – que em geral são estreitos, têm de três a oito andares e estão presentes próximos a estações de trem, em distritos comerciais, onde há um fluxo intenso de indivíduos – cada um dos seus pavimentos é ocupado por uma miscelânea de pequenos negócios, como escritórios, restaurantes, creches, escolas de idiomas, clínicas de saúde, cafeterias, restaurantes, bares, karaokês e salões de mahjong (um jogo de mesa de origem chinesa). Por essa característica, os zakkyo atraem um público numeroso e variado, mantendo a movimentação desses ambientes e do seu entorno ao longo do dia. Se pela manhã e tarde há uma procura maior pelas lojas e serviços, à noite a circulação fica por conta dos espaços de entretenimento e gastronomia, como detalha matéria da revista Building Excellence, da Associated Construction Publications.
A publicação reforça que esses edifícios podem ajudar a restaurar a vitalidade de um lugar, incentivar o espírito empreendedor, democratizar o varejo e também fomentar o que a escritora e ativista Jane Jacobs chamou de “olhos nas ruas”. Em seu livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, ela argumenta que locais que combinam residências com outras atividades, levando as pessoas a frequentarem essas áreas durante o dia e a noite e a interagirem entre si, elevam a sensação de segurança nas vias, pois há mais indivíduos caminhando por essas regiões.
Um único zakkyo pode, conforme artigo do jornalista e comentarista Noah Smith em seu blog, o Noahpinion, reunir até 80 microempreendimentos distintos. Ele compara ainda esse formato de estrutura a “shoppings verticais para pedestres urbanos”. Para Smith, esses complexos, bastante comuns em Tóquio, por exemplo, são parte da explicação do porquê municípios japoneses são tão dinâmicos e chamam a atenção de pessoas de todo o mundo. O jornalista salienta que os zakkyo são uma outra maneira de organizar e revitalizar os centros urbanos, aumentando a densidade comercial de um bairro – que é o número de lojas dentro de uma área específica.
Ele observa que ao colocar empresas umas sobre as outras em um prédio em vez de todas elas no térreo, pode-se encaixar mais negócios por quilômetro quadrado. Isso possibilita que os indivíduos experimentem muito mais coisas em um só ambiente. A Building Excellence acrescenta que a diversificação de inquilinos nesses empreendimentos, que ficam em regiões com terrenos mais caros, envolve menos riscos para os empresários. Outras particularidades dos zakkyo, segundo Smith, são as placas de neon nas fachadas e as escadas e elevadores com acesso direto da rua.
As duas características, destaca o jornalista, permitem que os pedestres descubram e acessem os comércios dos andares superiores facilmente. Iluminadas à noite, as fachadas repletas de neon dão às cidades japonesas sua aparência icônica de “floresta de luzes”, opina Smith em seu artigo. Ele defende ainda que essa estratégia oportuniza a idealização de comunidades habitacionais tranquilas muito perto dos centros e de suas lojas e serviços, de onde se pode acessar esses espaços com uma curta caminhada, e que os zakkyo podem funcionar em outras localidades do planeta. Para isso dar certo em diferentes realidades, como a dos Estados Unidos, o jornalista afirma que é necessário rever as regras de zoneamento urbano, que precisam assegurar o desenvolvimento de uso misto e que escadas e elevadores fiquem de frente para as vias públicas.
O arquiteto e professor associado da Universidade Keio, na capital do Japão, Jorge Almazán, destacou em sua palestra na 1ª Conferência das Cidades Orgânicas, realizada em Paris (França), em janeiro deste ano, que os edifícios zakkyo são altamente adaptáveis. Almazán, que é um dos autores do livro “Tóquio Emergente: Desenhando a Cidade Espontânea”, recordou que olhando os cadastros municipais e verificando o que ocorreu nas ruas dessa localidade desde a década de 1950 até agora, é possível ver que o tamanho dos lotes não mudou, mas os prédios cresceram para cima.
Ele lembra também que a maioria dos zakkyo surgiram como escritórios que aos poucos foram sendo utilizados para o entretenimento. “Eles podem se adequar a cada circunstância sem precisar de uma remodelação geral”, enfatizou. O arquiteto revelou, durante a sua participação no evento, que a palavra zakkyo significa “mistura coexistente” e que essas construções repletas de propaganda em neon já foram retratadas em muitos filmes. Um deles foi “Encontros e Desencontros”, dirigido por Sofia Coppola, que mostra os complexos dessa natureza que ficam na rua Yasukuni, como aponta artigo do blog El Viajero, do jornal El País.
Moradia e negócios andam juntos nos microespaços de Tóquio
Com uma população de 37 milhões de pessoas, a capital do Japão é a localidade mais povoada do mundo (contabilizando a sua área metropolitana), de acordo com ranking da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado pela National Geographic. Para responder às demandas por residências, infraestrutura e outros serviços e comodidades, a cidade precisa, entre outras iniciativas, utilizar de maneira eficiente o seu território e recursos. Nesse sentido, o estímulo ao uso misto em seus lotes vêm sendo uma das medidas adotadas pelas administrações públicas. Além dos zakkyo, outras formas de diversificar como os ambientes são ocupados vão se consolidando e expandindo.
Os yokocho, que são becos e vielas que se constituíram em distintos bairros depois da Segunda Guerra Mundial, a partir dos então chamados mercados negros, são um exemplo da variedade de possibilidades que se abrem com a flexibilização das leis de zoneamento urbano daquele país, que autoriza e incentiva a integração entre habitações e negócios. Esses microespaços que se formam, e que se tornam um destino em si, contam com bares, restaurantes e lojas minúsculas que vão surgindo e se amontoando por todos os lugares disponíveis.
Em ambientes, muitas vezes, de cerca de cinco metros quadrados são instalados comércios que proporcionam uma experiência bastante intimista, pois conseguem receber poucos clientes, que são atendidos pelos proprietários dos empreendimentos, que na maioria dos casos vive acima de seus negócios. Essas pequenas empresas devem seguir normas específicas, conforme o formato dos microespaços, e possuem benefícios, como licenças de bebidas baratas e fáceis de serem alcançadas em relação a essas liberações em outras nações, como os Estados Unidos.
O arquiteto e escritor Jorge Almazán pontuou em sua palestra no evento Cidades Orgânicas que um exemplo de yokocho é Golden Gai, que se tornou há pouco tempo um ponto turístico de Tóquio. Ele relata que esse espaço, que fica perto de uma das maiores estações ferroviárias da capital japonesa, Shinjuku, tem uma área de aproximadamente meio campo de futebol (a Fifa determina que o tamanho oficial pode variar de 120 metros a 90 metros de comprimento e de 90 metros a 45 metros de largura) e concentra mais de 250 restaurantes e pubs. “É provavelmente o bairro de bares mais denso do planeta. E tudo gira em torno da pequena escala. Em alguns lugares, se você estender as mãos, poderá tocar os dois lados da rua”, declarou. Muitos desses estabelecimentos podem receber cinco ou dez indivíduos, no máximo.
Almazán cita ainda que os aluguéis nos yokocho são baratos e que cada bar é muito diferente um do outro, com música, ambiente e tipos de bebidas diversificadas. Isso acontece, explica o arquiteto, porque os seus donos se sentem mais à vontade para inovar uma vez que seus riscos são relativamente baixos devido à pequena escala dos comércios. Ele analisa que esse aglomerado de lojas e moradias tende a evoluir mais organicamente com menos deslocamentos e criam um senso maior de comunidade. As vantagens econômicas desses espaços foram reforçadas pelo escritor, pois esses múltiplos empreendimentos competem, mas também cooperam entre si.
Zoneamento urbano do Japão ampliou uso misto nos bairros ao longo dos anos
Atualmente, a política nacional de planejamento urbano do país permite a construção de residências, negócios e alguns tipos de indústrias na maioria das regiões dos municípios. A meta com essa ação é viabilizar a edificação abundante de habitações e fomentar que mais comunidades compactas, de baixo carbono e caminháveis sejam idealizadas. O sistema geral de regulamentações sobre imóveis no Japão sempre foi simples, uniforme e mais acolhedor para distintos formatos e tamanhos de propriedades, comparou o fundador e diretor-executivo do Instituto Sightline, Alan During, em artigo.
Ao todo, são 12 categorias de zoneamento estabelecidas pelo Ministério da Terra, Infraestrutura, Transporte e Turismo daquele país, sendo sete delas voltadas para a moradia, duas comerciais e três industriais, como descreve matéria do Somos Cidade. Até mesmo no grupo destinado à habitação de baixa densidade e que possui mais restrições, é possível abrir uma loja, mercadinho ou outro estabelecimento junto à residência, desde que o lugar para esse fim tenha menos de 50 metros quadrados e seja menor que a metade da área total da unidade.
Nos bairros comerciais, os limites são referentes ao tamanho e natureza dos negócios. Já o impacto no meio ambiente e na qualidade de vida das pessoas é a métrica empregada para classificar as três zonas industriais japonesas – apenas uma delas é exclusiva para o setor produtivo. A ampliação da mistura de usos nas comunidades foi sendo expandida com o passar do tempo. A primeira lei do país nesse sentido é de 1919 e continha apenas três maneiras de zoneamento. Em 1968, essas normas foram alteradas e oito categorias foram definidas e, em 1992, elas ganharam a formatação de hoje, com os seus 12 grupos de zoneamento urbano.
Mesmo com as decisões sobre o planejamento das localidades sendo tomadas de forma centralizada pelo governo nacional, as gestões municipais também têm o seu papel na configuração e no futuro das cidades. Cabe às administrações locais a divisão dos territórios entre as 12 zonas. Apesar disso, esses planos precisam ser aprovados pelas autoridades federais.
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