Novas regras aprovadas pelo governo do país no final de 2021, com o apoio da oposição, liberam edificações com até três andares ou três imóveis em todos os lotes residenciais presentes nas cidades neozelandesas mais populosas.
Mergulhada em uma crise habitacional há cerca de uma década, a Nova Zelândia modificou sua lei de zoneamento para permitir que mais moradias médias sejam erguidas nos maiores municípios da nação. A iniciativa surge como resposta à escassez de oferta de unidades, aos valores elevados das propriedades e dos aluguéis e para reduzir o “abismo” cada vez maior entre a renda da população e os custos dos imóveis, como detalha matéria do jornal The Guardian. A medida busca ainda combater a expansão urbana nas grandes localidades do país e aumentar em até 105 mil o número de novas residências disponíveis no mercado em oito anos.
Aprovada em dezembro de 2021, a proposta do governo Trabalhista teve o apoio do partido de oposição, o Nacional, o que deve, segundo especialistas, manter as normas mesmo com uma alteração de forças no comando da Nova Zelândia nas próximas eleições. A legislação possibilita, agora, que sejam construídas três habitações ou um prédio de até três andares em todos os terrenos das cidades mais populosas da nação, incluindo aqueles onde anteriormente apensas casas unifamiliares eram autorizadas, aponta artigo do professor associado de Economia da Universidade de Auckland, Ryan Greenaway-McGrevy, publicado pela Brookings, organização de políticas públicas sem fins lucrativos fundada em Washington D.C. (EUA).
Dados apresentados por Greenaway-McGrevy revelam que o preço médio das moradias no país teve um incremento de em torno de 130% entre 2011 e 2021, superando em muito o crescimento da renda familiar e diminuindo acentuadamente o acesso dos cidadãos aos imóveis. Além disso, o professor informa que enquanto a população da Nova Zelândia teve uma elevação de 10,8% entre 2013 e 2018, o estoque de habitações registrou um aumento de apenas 6,6% no mesmo período. Para ele, isso indica a existência de uma “falta crônica de residências nos lugares onde as pessoas querem viver”.
O valor médio de uma moradia atingiu uma “alta impressionante” de 23,8%, passando de US$ 747 mil em novembro de 2020 para US$ 925 mil no mesmo mês de 2021, de acordo com o The Guardian. A análise do jornal é que, com o crescimento da oferta de unidades estimulada pelas mudanças realizadas pelo governo na lei de zoneamento, pode ocorrer uma desaceleração dos preços das casas e, se a política não estivesse em vigor, eles continuariam a subir. A reportagem acrescenta que Wellington, capital da nação, e Auckland, centro financeiro e econômico neozelandês, possuem os mercados imobiliários menos acessíveis do mundo, com os índices de propriedade de habitação própria caindo desde o início dos anos 1990 em todas as faixas etárias. No entanto, essa queda é mais relevante para os indivíduos com idades que variam de 20 a 30 anos.
Esse cenário fez com que a Nova Zelândia fosse colocada pelo relatório “Building for a Better Tomorrow 2021”(Construindo para um Amanhã Melhor), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no topo dos países com moradias inacessíveis para as famílias mais pobres, destaca matéria do site de notícias Stuff. Conforme o documento, mais da metade das pessoas que fazem parte do grupo de trabalhadores com os menores rendimentos gastou mais de 40% de sua renda com custos habitacionais em 2019. Outro ponto ressaltado foi que tanto a edificação de mais unidades estatais como o combate às regulamentações de terras e processos de planejamento excessivamente restritivos podem auxiliar as nações a reverterem o atual contexto de falta de imóveis.
É esse panorama que a Nova Zelândia tenta alterar com o seu plano nacional, chamado de “Padrão Residencial de Média Densidade”. A proposta está alinhada com o conceito de “Missing Middle Housing” (Casas Médias Desaparecidas) elaborado pelo arquiteto e urbanista e fundador da Opticos Design, Daniel Parolek, em 2010. Os defensores desse movimento acreditam que a construção de moradias geminadas, chalés ou prédios de até quadro andares compatíveis em design e escala com habitações unifamiliares em bairros caminháveis e próximos a serviços, comércio e transporte público pode contribuir para a redução da escassez de casas verificada em diversos países.
Rezoneamento de Auckland serve de base para política nacional neozelandesa
Os resultados obtidos até o momento com a modificação das leis de zoneamento da maior cidade do país – que abriga cerca de um terço da população de 5 milhões de pessoas da nação – foram um balizador para a reforma efetuada no programa da Nova Zelândia que incentiva a edificação de residências médias nas suas principais localidades, como afirma o professor de Economia Ryan Greenaway-McGrevy em seu artigo na Brookings. Ele conta que, em 2016, Auckland atualizou suas normas de uso da terra com a perspectiva de triplicar a capacidade habitacional do município.
O Plano Unitário de Auckland, como foi nomeado o projeto, permitiu um boom de moradias, assinala Greenaway-McGrevy, com novas unidades sendo acrescentadas a cada ano. Ele recorda que, antes da medida, o pico de imóveis introduzidos no estoque foi registrado em 2015, com cerca de 6 mil residências, número esse que subiu para mais de 14,3 mil em 2020. Outra mudança salientada pelo professor depois das alterações foi a elevação da quantidade de casas multifamiliares anexas (erguidas em um lote onde já havia uma propriedade unifamiliar). A maioria das novas autorizações habitacionais emitidas na cidade em 2020 foram para moradias multifamiliares, totalizando 8,1 mil naquele ano.
O desenvolvimento de uma localidade mais compacta, com o fomento de construções em regiões suburbanas de Auckland, que ficam a uma distância de 20 a 25 quilômetros do distrito comercial central, também foi encorajado pela modificação da política. Segundo Greenaway-McGrevy, em 2015, cerca de duas em cada três licenças para novas unidades foram concedidas nos subúrbios, já em 2020, seis em cada sete autorizações liberadas foram para imóveis nessas áreas de Auckland. A partir do exemplo do município, o governo nacional reverteu a abordagem dada pelo país, até então, para o planejamento e expansão urbana, comenta o professor.
Ele complementa que, desde a década de 1980, a Nova Zelândia adotava estratégias de zoneamento que estimulavam a edificação de habitações de baixa densidade em pontos residenciais, consolidando as moradias unifamiliares isoladas em seus subúrbios. Com isso, os arranha-céus ficaram limitados aos bairros comerciais centrais e aos lugares destinados para esse uso específico. Greenaway-McGrevy explica ainda que, apesar dos governos locais serem responsáveis pela definição e implementação das normas de zoneamento, foram as regras da administração nacional que mantiveram a preponderância das unidades de baixa densidade.
A Lei de Gestão de Recursos, reforça o professor, restringiu a oferta de imóveis e de infraestrutura, dificultando a verticalização das cidades, durante um período de crescimento populacional significativo no país. Ele relata que, entre 1991 e 2018, o número de habitantes da nação teve um incremento de aproximadamente dois terços, enquanto que, no mesmo intervalo de tempo, os impactos sociais da elevação dos custos habitacionais tornaram-se mais altos. A reportagem do The Guardian agrega que essa legislação é “culpada em parte” por desacelerar a construção de moradias e promover o espraiamento urbano, refletindo negativamente no transporte e nas mudanças climáticas.
Medida junta-se a outras já implementadas no pequeno país da Oceania
Além do Padrão Residencial de Média Densidade, a administração neozelandesa possui outras estratégias nacionais para incentivar o adensamento de suas localidades. Em 2020, o governo lançou a sua Declaração de Política Nacional sobre Desenvolvimento Urbano, pontua em seu artigo Ryan Greenaway-McGrevy, professor associado da Universidade de Auckland. A ação, descreve ele, exige que os grandes municípios liberem edificações de até seis andares a uma curta distância das estações de transporte público, sendo 800 metros a recomendação mínima.
Entre os objetivos da iniciativa estão a diminuição do déficit habitacional acumulado ao longo das últimas três décadas e também redução do consumo de energia através de deslocamentos mais curtos e do aumento dos subsídios para a utilização dos meios de locomoção coletivos. O programa é ainda mais uma ferramenta para que a Nova Zelândia consiga alcançar suas metas de neutralidade de carbono. Greenaway-McGrevy observa que a medida está fundamentada nos princípios do Desenvolvimento Orientado para o Transporte (da sigla em inglês TOD), que prevê a criação de novas centralidades no entorno das estações de ônibus, trens, metrô ou veículos leves sobre trilhos, com o adensamento dessas regiões e a instalação de comodidades para as pessoas, como opções de trabalho, comércio, serviços, escolas e lazer.
Na visão do professor, as três políticas de reforma de zoneamento da nação realizadas nos últimos anos – Plano Unitário de Auckland, Declaração de Política Nacional sobre Desenvolvimento Urbano e o Padrão Residencial de Média Densidade – somam-se para uma transformação estrutural para que mais moradias sejam erguidas, estimulando um crescimento compacto das cidades. Para ele, o retorno alcançado por Auckland até agora demonstra que essas modificações podem “permitir a construção e o redesenvolvimento de habitações. Isso é importante, pois as alterações de zoneamento nem sempre conseguem atingir os objetivos previstos”. Greenaway-McGrevy avalia que compreender e identificar os catalizadores que levaram aos resultados na maior localidade neozelandesa podem ajudar os formuladores de políticas nos projetos de reformas de zoneamento no futuro, podendo ser um exemplo para outras regiões e países.
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