Shabbificação

Ao reconfigurar vias largas, tirando pistas para os veículos e redistribuindo o espaço para acomodar ciclovias ou calçadas mais amplas, as chamadas Dietas de rua organizam melhor o trânsito, diminuem a velocidade dos automóveis, incentivam a economia local e oferecem uma experiência mais qualificada para os seus usuários.

A cada 24 segundos uma pessoa morre no tráfego no planeta, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), que alerta também que crianças e mulheres são as principais vítimas. A estimativa é que, em média, 1,3 milhão de indivíduos percam a vida anualmente devido à falta de proteção nas ruas e a comportamentos de risco dos motoristas, como dirigir embriagado ou usando o celular. Diante desse cenário, foi lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2021, a Década de Ação pela Segurança no Trânsito com a meta de reduzir em pelo menos 50% as mortes e lesões que ocorrem nas vias até 2030.

Entre as estratégias que podem ser adotadas pelas cidades para reverter esse quadro estão as Dietas de ruas. Através do “emagrecimento” das ruas, essa solução de planejamento urbano permite destinar faixas voltadas aos carros para outros meios de locomoção, como ciclovias, calçadas mais adequadas para os pedestres caminharem ou trechos exclusivos para ônibus. As Dietas de ruas, em uma tradução livre do termo em inglês, possibilitam diferentes configurações das vias por meio da remoção ou do estreitamento de espaços antes utilizados para o deslocamento dos veículos.

O aumento da segurança nas áreas redesenhadas é o principal benefício dessa medida, conforme informações da Administração Federal de Autoestradas dos Estados Unidos, órgão do Departamento de Transportes do país, que destaca estudos que demonstram uma queda de 19% a 47% nos acidentes quando uma Dieta de rua é implementada. A diminuição da velocidade dos automóveis, o custo mais acessível para instalar as melhorias nas ruas e o aprimoramento dos ambientes compartilhados por todos os usuários são outras vantagens apontadas pelo setor.

Presentes na paisagem norte-americana há mais de três décadas, as Dietas de ruas surgiram como uma alternativa às tradicionais avenidas de quatro pistas de rolamento, comuns em tantos municípios daquela nação. Um dos primeiros lugares a realizar esse tipo de mudança em suas vias foi Billings (Montana), em 1979, detalha material do órgão de autoestradas. Mas, foi nos anos 1990 que elas se tornaram mais populares nos Estados Unidos, com exemplos em Nova York, São Francisco, Palo Alto (ambas na Califórnia), Chicago (Illinois), Charlotte, Asheville (as duas na Carolina do Norte) e Seatlle (Washington).

O impacto das Dietas de ruas também pode ser sentido na qualificação da experiência dos cidadãos nas ruas modificadas, como assinala artigo da organização Project for Public Spaces (PPS). Calçadas expandidas, com paisagismo e negócios diversos, são mais atrativas e convidativas, estimulando os passeios a pé. Além disso, acrescenta o PPS, o maior número de pedestres e ciclistas nas vias fomenta o comércio local, como lojas, cafés e restaurantes, uma vez que eles gastam mais dinheiro nesses estabelecimentos que os motoristas. Apesar de fazerem compras de menor valor, quem caminha ou pedala tende a visitar esses negócios várias vezes, como revela matéria do nosso portal.

Para retomar o excesso de área criada para os carros, podem ser idealizadas distintas formas de redistribuição das ruas, como reforça reportagem da Bloomberg. O material descreve quatro opções de Dietas de ruas, que são explicadas pelo urbanista e autor do livro “Walkable City (Cidade Caminhável)”, Jeff Speck, em vídeo elaborado por ele em parceria com o artista gráfico Spencer Boomhower. Uma das propostas visa a transformação de uma via com três faixas para veículos e duas de estacionamento. Nesse exemplo, seria retirada uma pista de rolamento e reduzida uma de vagas para os automóveis. Isso viabilizaria a colocação de uma ciclovia protegida de mão dupla ao lado do meio-fio.

A segunda sugestão alteraria uma rua com quatro faixas para os carros para uma com duas pistas, uma para cada direção e mais uma no meio delas para a conversão à esquerda. Nesse tipo de mudança, seria possível contar com uma ciclovia em ambos os lados das calçadas ou com passeios públicos mais amplos ou ainda um corredor exclusivo para o transporte coletivo. Já na terceira possibilidade, seria mantido o formato de três faixas, com a do meio sendo para a conversão, mas um dos espaços de estacionamento seria deslocado para longe da calçada para a implementação de uma ciclovia de mão dupla com proteção do trânsito.

No último e quarto design, Speck parte de uma via com duas pistas opostas mais largas para os veículos e outras duas também maiores para deixar os automóveis. A recomendação nesse contexto seria diminuir os tamanhos de todas as faixas para poder ter uma ciclovia de um dos lados, entre o estacionamento e os carros em circulação. Cada uma dessas reconfigurações reduz o risco de acidentes e, na maioria dos casos, mantém o fluxo de veículos. A escolha por um desses formatos deve ser analisada com base na realidade de cada região, considerando o volume de tráfego, panorama econômico, uso do solo e segurança de pedestres e ciclistas, como ressalta vídeo do site de notícias Vox.

Da Ponte do Brooklyn à Carolina do Norte: exemplos de Dietas de ruas nos Estados Unidos

Reaproveitando uma pista para automóveis para instalar uma ciclovia bidirecional de 2,5 metros, a Ponte do Brooklyn, em Nova York, viu os passeios de bicicleta crescerem significativamente em seu trajeto. Inaugurada em setembro de 2021, a faixa protegida para quem pedala registrou uma elevação de 88% em seu uso em outubro daquele ano em relação ao mesmo período de 2020, segundo matéria do StreetsblogNYC, com uma média diária de 4.206 viagens. Ainda no município, a ponte de Queensboro aguarda por modificações no local destinado aos carros para atender à demanda de seus usuários, que querem separar o caminho atualmente dividido por pedestres e ciclistas. A ideia, como enfatiza o StreetsblogNYC, é retomar uma pista para veículos e deixá-la exclusiva para quem caminha. Dessa forma, o ambiente hoje compartilhado ficaria somente para as bicicletas, diminuindo os acidentes.

A redução das colisões de automóveis também foi um dos resultados percebidos em Asheville (Carolina do Norte) depois das alterações feitas na Charlotte Street. Desde a implementação da Dieta de rua, em 2019, o governo da cidade identificou o incremento representativo do uso das bicicletas – o de pedestres foi mais modesto – e a queda na velocidade dos carros, tudo isso sem ter aumentando o trânsito nas ruas laterais.

Uma avaliação efetuada dois anos depois das mudanças na via, desencadeadas para melhorar a segurança e a mobilidade dos moradores, verificou que os volumes gerais de tráfego foram reduzidos, porém os tempos de viagem para aqueles que utilizavam veículos tiveram elevação em alguns trechos. Com relação às colisões mais severas, como as que ocorrem nas conversões à esquerda e nas batidas laterais, houve uma diminuição de 93% e 50%, respectivamente, na comparação entre 2021 e 2019. Por outro lado, os choques traseiros e de conversão à direita, em geral menos graves, tiveram um leve incremento, de até 5 batidas no mesmo período.

A Charlotte Street foi transformada de uma rua de quatro faixas (duas para cada direção) em uma com três, sendo a do meio designada para a conversão à esquerda. Além disso, ganhou ciclovia em ambos os lados, junto às calçadas, sinalização horizontal para quem caminha e o pavimento recebeu, próximo aos semáforos, um lugar específico pintado de verde para que as bicicletas possam cruzar a via de maneira protegida. Há ainda elementos que facilitam a visualização dos setores de transição da ciclovia.

Já São Francisco é uma das localidades norte-americanas com a maior quantidade de Dieta de rua e tem sido uma referência para outras regiões desde a década de 1970. A modificação da Valencia Street, em 1999, é vista como um modelo de sucesso em artigo do StreetsblogSF. Naquele ano, o Departamento de Estacionamento e Trânsito municipal alterou a rua de quatro pistas para uma de duas faixas de rodagem, com uma no meio delas exclusiva para quem dobra à esquerda e ciclovia em ambos os lados.

Londres reduz espaço para automóveis e introduz mais ciclovias

Não é apenas nos Estados Unidos que as Dietas de ruas vêm sendo empregadas. Em Londres (Inglaterra), durante a pandemia de coronavírus, foram criadas diversas ciclovias pop-up (temporárias) para incentivar as pessoas a pedalarem e caminharem mais, deixando, naquele momento de restrições sanitárias, o transporte público menos lotado, como recorda reportagem do jornal Evening Standard. Levantamento realizado em 2022 pelo departamento de Transporte (TfL) da capital inglesa constatou que o trecho instalado na Park Lane, por exemplo, se tornou bastante usado pelos habitantes, com uma média de aproximadamente 2,4 mil ciclistas por dia e até 365 por hora no momento de maior movimentação durante à noite.

Para contar com um ponto específico para quem pedala nessa área, as pistas para os veículos foram diminuídas na via, sendo que em algumas partes dela apenas uma faixa ficou disponível para os carros. Implementada em 2020, dentro do programa de Streetspaces que abrangeu toda a cidade, a ciclovia bidirecional na Park Lane passará por uma consulta do órgão de transportes para apurar o retorno sobre a iniciativa e possibilidade de deixá-la permanente. Os contrários a sua manutenção, relata o Evening Standard, afirmam que a redução das pistas causa congestionamentos, mesmo com o espaço extra que os veículos ganharam a partir do estreitamento das faixas de ônibus na rua.

Com relação a esse argumento, diferentes pesquisas sobre os reflexos da adição de ciclovias nos engarrafamentos observaram que a diminuição dos locais para automóveis pode elevar, em curto prazo, os congestionamentos, como mostra matéria do jornal The Guardian. No entanto, com o tempo, essas vias ficam mais lentas e desencorajam as pessoas a utilizarem seus carros e acabam incentivando elas a optarem por outros meios de locomoção, voltando ao fluxo anterior ou até mesmo reduzindo o número de veículos nessas ruas. Esse efeito é conhecido como evaporação do tráfego, como esclarece reportagem do nosso portal. Já o fenômeno inverso ocorre quando são acrescentadas novas vias para qualificar a circulação dos automóveis. Em um primeiro momento, o trânsito flui melhor, com viagens mais rápidas. Porém, a médio e longo prazo, essas ruas passam a atrair mais motoristas e os engarrafamentos retornam.

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