Os impactos dos requisitos mínimos de estacionamento são investigados pelo economista Donald Shoup desde a década de 1970. Especialista no tema, ele afirma que essas exigências elevam o custo da habitação, incentivam ainda mais o uso dos carros, aumentam a poluição do ar e afetam o desenho urbano dos municípios. Ele propõe três formas para rever essas regras e tornar as localidades mais caminháveis e justas.
Circular pela região central ou por bairros mais movimentados é uma missão quase impossível em inúmeras cidades. Trânsito congestionado, ruas repletas de veículos parados nos dois lados das vias e outros tantos automóveis em busca de uma vaga é um cenário que se repete diariamente pelo mundo. A oferta de estacionamento gratuito nas ruas é o principal motivo para que esse quadro se configure na opinião do PhD em economia e professor-pesquisador do Departamento de Planejamento Urbano da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), Donald Shoup.
Especialista nesse campo de conhecimento, com estudos sobre usos do solo e os reflexos dos critérios mínimos de espaços para os carros nos empreendimentos residenciais e comerciais, Shoup se transformou em um crítico da visão que coloca os veículos no centro das decisões sobre os municípios e um pregador a favor de alterações na maneira como é feito o planejamento dos estacionamentos e da adoção de novas práticas para que as localidades sejam mais acessíveis e sustentáveis. Investigando essa questão desde os anos 1970, o economista defende que a forma como as vagas para os automóveis é pensada precisa ser revista. Em seu livro “The High Cost of Free Parking (O Alto Custo dos Estacionamentos Gratuitos)”, lançado pela Associação Americana de Planejamento, em 2005, ele analisou que os requisitos de lugares para os carros resultam em incremento dos custos dos imóveis, subsídios para os veículos e mais tráfego e poluição ambiental.
O levantamento “Hidden Costs and Deadweight Losses: Bundled Parking and Residential Rents in the Metropolitan United States (Custos ocultos e perdas de peso morto: pacotes de estacionamento e aluguéis residenciais na região metropolitana dos Estados Unidos)” apurou que o custo das vagas em garagem para as famílias que locam habitações é de aproximadamente 1,7 mil dólares por ano, um acréscimo de 17% no valor do aluguel de uma unidade. A pouca oferta de moradias sem espaço para automóveis impõe um custo alto para os residentes sem carros, especialmente para aqueles com rendas mais baixas. Os pesquisadores identificaram que o peso morto direto para os locatários que não tinham veículo é de 440 milhões de dólares anualmente.
Além desses efeitos nas cidades, Shoup complementa em artigo para o Planetizen que as exigências mínimas de lugares para os automóveis prejudicam o desenho urbano, promovem a expansão territorial, reduzem a capacidade de caminhar e aceleram as mudanças climáticas. Ele enfatiza ainda que os critérios de estacionamento estão “envenenando” os municípios com vagas e carros demais. Estudo realizado pelo Vox indica que há nos Estados Unidos oito espaços para cada automóvel estacionar, cobrindo uma área do tamanho do estado de West Virgínia (62,2 mil quilômetros quadrados, um pouco maior que a Paraíba, que tem 56,4 mil quilômetros quadrados). Os 250 milhões de veículos registrados nos Estados Unidos contariam com em torno de 2 bilhões de lugares, conforme informações de 2021 do Bloomberg.
Mas, como funcionam os requisitos mínimos de estacionamento? Shoup detalha no Planetizen que, para cada novo projeto, o código de zoneamento da cidade determina o número de vagas que devem ser disponibilizadas fora da rua, isso sem considerar a quantidade de espaços que os habitantes, usuários ou desenvolvedores do complexo (seja um prédio, uma farmácia ou academia, entre outros) possam querer. O economista assinala também que faltam dados e teorias para que os planejadores possam dimensionar adequadamente essa demanda. Segundo o pesquisador, essas exigências são arbitrárias e todos acabam pagando por esses estacionamentos, mesmo aqueles que não possuem um carro.
Ele cita um levantamento que demonstrou que as vagas em uma garagem elevam o valor do aluguel de apartamentos em torno de 17%, mesmo para os moradores sem condições de ter um veículo. Shoup descreve ainda que essas normas impactam os preços dos alimentos em um supermercado, pois o zoneamento exige que esse tipo de negócio fique em um amplo terreno e ofereça muitos lugares para os automóveis, fazendo com que todos paguem a mais pelos produtos, mesmo aqueles que não dirigem até o estabelecimento.
Ele acrescenta que a manutenção dessas regras desestimula os investimentos em transporte público, uma vez que os idealizadores desses parâmetros partem do pressuposto que todas as pessoas irão escolher ir de carro até um local do que optar por outro meio de deslocamento. Mais espaços para os veículos atraem mais motoristas e deixam os municípios menos caminháveis e preparados para as bicicletas, levando a um ciclo vicioso em que a falta de alternativas aos automóveis faz com que mais indivíduos sigam se locomovendo em seus carros, engarrafando as vias e piorando a qualidade do ar e a poluição sonora.
O planejamento urbano impacta não apenas a maneira como as pessoas se movimentam pela cidade e o quanto de tempo que elas perdem em seus percursos, ele influencia o quanto elas gastarão para fazer os trajetos cotidianos. Isso porque quanto mais espraiadas forem as localidades, mais recursos são necessários para levar a infraestrutura até esses bairros distantes, o que irá afetar os custos de deslocamento, como salienta artigo do instituto de pesquisa WRI Brasil. As decisões sobre os municípios têm reflexos ainda em como os cidadãos irão utilizar os ambientes coletivos, na segurança, diversidade e equidade, isso porque elas produzem efeitos sobre o valor dos imóveis e, consequentemente, sobre onde os indivíduos irão residir.
Três soluções para reformar os critérios de estacionamento que podem disponibilizar mais habitações e serviços urbanos
Em sua obra “O Alto Custo dos Estacionamentos Gratuitos”, Donald Shoup reforça que a definição de uma vaga para veículos é sempre um ato político e que não há lugares gratuitos para os automóveis porque a sua criação sempre traz custos. No caso dos espaços para carros na rua, o economista observa que existe o investimento na aquisição dos terrenos, pavimentação, manutenção e em outras ações que são pagas com os impostos de todos os moradores de uma localidade – inclusive daqueles que não possuem veículos, como aponta reportagem do Somos Cidade. Nesse panorama, as vias viram depósitos para automóveis em vez de pontos vibrantes para os indivíduos, tirando o dinamismo dessas regiões.
As estratégias sugeridas por Shoup em seu livro para reverter esse contexto são as de cobrar de forma inteligente os estacionamentos nas ruas, utilizar as receitas com os parquímetros em serviços públicos nas áreas com esses equipamentos e remover os requisitos mínimos. O pesquisador ponderou, em seu artigo para o Planetizen, que retirar essas exigências não significa acabar como todas as vagas. Ele lembra que em Buffalo (Nova York) 47% dos empreendimentos forneceram menos lugares para os carros que o exigido antes do fim dos critérios mínimos para os espaços fora das vias, o que ocorreu em 2017. Porém, todos esses complexos ofereceram algum estacionamento. Essa modificação na legislação, de acordo com o economista, possibilitou que os desenvolvedores dimensionassem corretamente a disponibilidade de vagas. Para Shoup, a eliminação dos parâmetros mínimos de lugares fora da rua é a maneira mais fácil, simples e rápida para os municípios contarem com imóveis e comunidades mais acessíveis, caminháveis e uma sociedade mais justa.
A outra medida proposta por ele envolve a precificação adequada dos espaços para os veículos nas vias públicas. Uma dessas iniciativas abrange uma tarifa que é calculada por demanda, quanto maior a procura por determinado local, maior fica o valor a ser pago. São Francisco (Califórnia) já adotou esse tipo de estacionamento inteligente, que mapeia – através de sensores que enviam informações em tempo real – se as vagas estão livres ou não. Os dados são empregados também para reajustar as tarifas, conforme a busca por uma região.
Em relação ao uso dos recursos arrecadados com o parquímetros, Shoup comentou, em entrevista para o Streetsblog USA, que a ideia é destinar o dinheiro para a qualificação dos bairros, aprimoramentos que sejam facilmente vistos pelas pessoas, como o plantio de mais árvores nas ruas, iluminação pública, conserto de calçadas e até mesmo na abertura de mais creches. Uma referência nesse sentido dada pelo pesquisador foi Pittsburgh (Pensilvânia), onde já existia a cobrança, mas a cidade não queria tirar esses valores do seu fundo geral, que era utilizado para outras atividades. A mudança veio com a percepção de que os equipamentos paravam de operar às 18h, mesmo em pontos com intensa vida noturna.
O economista contou que a recomendação dele foi que o município começasse a cobrar pelos lugares depois daquele horário e que a receita fosse para melhorias naquele distrito com movimentação à noite. A solução foi aceita pela administração local e Shoup revela que a comunidade aprovou a modificação que foi ampliada para outros bairros devido ao seu sucesso. Outra opção para estimular que um número maior de condutores deixem seus automóveis em casa e escolham outra forma de locomoção é o chamado “saque de estacionamento” que já funciona em algumas cidades norte-americanas – conceito desenvolvido pelo pesquisador.
Em Washington, DC, uma lei municipal determina que as empresas com 20 ou mais funcionários paguem um bônus para quem não usar as vagas disponibilizadas pelas companhias, exemplifica outro artigo do USA Streetsblog. Normas semelhantes já existem nos estados da Califórnia e de Rhode Island, no entanto são voltadas para empresas com 50 ou mais empregados e oferecem isenções para os empreendedores que estão instalados em áreas com boa qualidade do ar ou que não possuem redes eficientes de transporte. Apesar de ser uma das estratégias para fomentar a adoção de outros meios de deslocamento, essas regras ainda não abrangem quem caminha ou pega carona com os colegas, apenas os funcionários que gastam dinheiro com passes de transporte, manutenção de bicicletas e assinaturas de serviços de transporte privado.
O desafio de estacionar em Manhattan e como transformar essa realidade
Em artigo publicado em 2023 no Bloomberg, Donald Shoup avaliou os impactos que o conhecido bairro de Manhattan, em Nova York, teria se as vagas para carros fossem cobradas. Segundo o economista, 97% dos espaços nas ruas para os veículos são gratuitos nos cinco distritos da cidade (que incluem Brooklyn, Queens, Bronx e Staten Island). Um levantamento efetuado em uma região de 15 quarteirões do Upper West Side durante seis meses descobriu que a busca por um lugar para deixar o automóvel nessa área representou cerca de 589 mil quilômetros rodados a mais por ano e gerou 22 toneladas de emissões de CO2 por quarteirão. Isso sem falar no maior risco de acidentes com pedestres e outros carros e nos congestionamentos formados.
Criar estacionamentos inteligentes, por demanda, é a medida mais óbvia para Manhattan, argumenta o pesquisador, deixando apenas uma ou duas vagas gratuitas em cada quarteirão, e empregar os recursos no aprimoramento dos serviços públicos prestados nessa localidade, como já acontece em São Francisco e em outros municípios californianos, por exemplo. Shoup frisa que esse tipo de ação funciona melhor em bairros densamente povoados, onde os espaços para os veículos estão lotados, os serviços não são suficientes para atender à necessidade dos seus residentes e a maioria dos habitantes não tem automóvel ou estaciona em garagens. Por se enquadrar em todos esses requisitos, o economista foca sua análise no Upper West Side. Ele estima que as vagas gratuitas nas vias dessa região poderiam render em torno de 237 milhões de dólares anualmente – cálculo feito a partir dos preços cobrados por garagens privadas, da taxa de ocupação e do número de lugares disponíveis hoje, que são de 12,3 mil.
Outra alteração a ser desencadeada com a cobrança de tarifas sobre os espaços para os carros nas ruas, de acordo com Shoup, seria a diminuição dos sacos de lixo nas calçadas de Nova York, com contêineres colocados, um por quarteirão, onde antes havia um veículo parado. Eles ocupariam somente 5% dos 3 milhões de estacionamentos existentes em Nova York, algo como 150 mil vagas, projetou o Departamento de Saneamento do município. O pesquisador sustenta que estacionamentos no meio-fio com preços baseados na procura são semelhantes à acupuntura urbana: “um simples toque em um ponto crítico pode beneficiar toda a cidade”.
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