Enquanto os edifícios altos e superaltos se multiplicam pela Ásia e pelos Estados Unidos, o Brasil entrou tardiamente nessa tendência. A resistência a esse tipo de empreendimento é causada por motivos como as restrições das leis de uso e ocupação do solo, mudanças na paisagem e pelo desconhecimento dos benefícios que eles podem trazer para a vida urbana.
Um novo skyline começa a se consolidar em diferentes localidades do mundo com o crescimento da construção de edifícios altos e superaltos. Em 2023 foi batido o recorde de conclusão de prédios com essa característica, com 179 unidades de 200 metros ou mais de altura finalizadas. Segundo o Conselho de Edifícios Altos e Habitat Urbano (CTBUH, na sigla em inglês), esse número representa uma elevação de 16,2% em relação a 2022, quando 154 empreendimentos desse tipo foram entregues. Há no planeta hoje 2.270 construções com mais de 200 metros de altura e 232 com 300 metros ou mais.
A maioria desses prédios está localizada na Ásia (excluindo o Oriente Médio) – atualmente 63 dos 100 edifícios mais altos do globo ficam nessa região. Shenzhen, na China, aponta o relatório do CTBUH lançado em janeiro de 2024, conta com uma em cada 14 construções do mundo com mais de 200 metros. O Oriente Médio e a América do Norte aparecem na sequência com 18 e 14 empreendimentos, respectivamente. Já a Europa possui cinco dos 100 prédios mais altos do planeta. Por outro lado, a Oceania, África e América do Sul não tiveram participantes nessa lista.
A única edificação brasileira citada no levantamento foi o Alto das Nações – Torre 2 que está sendo erguida em São Paulo (SP) e deve ser concluída em 2025. Com 219 metros de altura, o empreendimento de escritórios na Avenida das Nações Unidas terá 39 pisos. O documento destaca ainda que a construção mais alta do globo finalizada em 2023 foi o Merdeka 118, em Kuala Lumpur (Malásia), com 678,9 metros. Para este ano, a previsão do CTBUH é que, pelo menos, 150 prédios de 200 metros ou mais sejam concluídos, sendo que desse total entre 15 a 25 deles devem possuir 300 metros ou mais de altura.
A explosão desses empreendimentos começou entre 2007 e 2010 e desde então vem, ano após ano, batendo recorde de entrega de construções altas, detalha o consultor e pesquisador de edifícios altos e regramentos urbanísticos e doutorando do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura (Propar) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Luis Henrique Villanova. Ele comenta também que esse boom demorou para acontecer no Brasil, mas que está ocorrendo agora principalmente no interior do País. Balneário Camboriú (SC) é um dos exemplos dados pelo consultor, assim como Fortaleza (CE) e municípios de Goiás e Mato Grosso.
Para Villanova, a resistência que existe no Brasil em relação aos prédios altos está muito relacionada com as restrições das legislações urbanísticas. “Que são os planos diretores e leis de uso e ocupação do solo. Aqui, a gente tem uma ideia de que para construir um edifício desse porte, como os arranha-céus, precisa de uma enormidade de terreno para ter todos os recuos exigidos pelas normas”, explica. Outro ponto salientado por ele é que muitos indivíduos podem se opor a esses empreendimentos devido às suas dimensões e reflexos na paisagem. “Não tem como uma construção alta passar batida. Ela vai ser vista e observada. E muitas pessoas têm receio que esses prédios modifiquem a rua que elas passaram a vida inteira, o panorama ao qual estavam acostumadas, de uma hora para outra”, complementa.
No entanto, os efeitos causados por esses edifícios nas cidades, enfatiza o consultor, podem ser bons. O poder desses empreendimentos de reunir uma grande quantidade de indivíduos em um determinado espaço pode gerar um placemaking para essa área (abordagem multidisciplinar que auxilia na idealização de ambientes pensados para as pessoas que irão utilizá-los, permitindo que elas participem ativamente no seu desenvolvimento). Esse destino pode ter fachadas ativas, com lojas, cafés, serviços, uma praça que faça com que os seus usuários convivam e aproveitem melhor a via onde o prédio está inserido e ser caminhável. Villanova reforça que a maneira como a base, o térreo das construções, está “casada, amarrada, contextualizada” com a localidade é mais importante que a sua altura.
Os impactos positivos dos prédios altos se potencializam quando eles estão concentrados em um lugar com infraestrutura, demanda e vontade dos cidadãos de morarem ou trabalharem nessa região. “Daí sim, esses edifícios agregam ao espaço, possibilitando que mais pessoas que queiram viver nesse ambiente possam fazer isso e se desloquem menos, já que haverá uma variedade de serviços oferecidos nesse aglomerado de empreendimentos”, assinala. O ideal é que eles sejam erguidos juntos, como é o Centro de Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Manhattan (Nova York, EUA), onde os indivíduos podem residir, ir a um comércio, restaurante, parque e aos seus empregos percorrendo trajetos curtos, que podem ser feitos a pé, de bicicleta ou de transporte coletivo.
Porém, se forem implementados isoladamente, no meio de casas, sem planejar a forma como as construções altas irão se integrar à área urbana, os reflexos podem se tornar negativos, com estruturas todas muradas, sem fachadas ativas e caminhabilidade, transmitindo uma sensação maior de insegurança. “Se estiverem soltos na paisagem, (os prédios) podem ser vistos até mesmo como um objeto agressivo. Já concentrados, eles deixam o skyline mais potente”, avalia o pesquisador.
Crescimento para cima versus expansão para os lados
A falta de consenso sobre os empreendimentos altos abrange desde as vantagens e efeitos negativos para os municípios até a sua classificação. Mais do que um parâmetro vinculado à sua altura ou número de andares, o Conselho de Edifícios Altos e Habitat Urbano considera o contexto local para determinar se uma construção é alta ou não. Nesse sentido, se um prédio de 20 metros de altura estiver cercado de outros menores, ele é alto. Contudo, se estiver entre outros maiores, de 40 metros de altura, por exemplo, não é. Apesar dessa ponderação, em seu site, o CTBUH trata como altos os empreendimentos com 200 metros de altura ou mais e os superaltos com 300 metros de altura ou mais.
Nas discussões sobre a maneira como as cidades irão se desenvolver, os principais benefícios para aquelas que optam por crescer para cima, ou seja, que se verticalizam, são as reduções dos deslocamentos e dos gastos com infraestrutura, conforme o consultor e pesquisador Luis Henrique Villanova. Ao disponibilizar mais imóveis em um lote menor, os edifícios altos juntam uma quantidade maior de habitantes e trabalhadores em uma região e conseguem atender as suas necessidades diárias no mesmo lugar onde foram instalados.
Ao concentrar essas construções, as pessoas têm a oportunidade de caminhar ou pedalar até os seus destinos e resolver uma série de atividades da sua rotina sem depender dos automóveis. Outro item a favor da verticalização é que a implementação de prédios altos em um bairro já estabelecido evita o espraiamento dos municípios e há uma preservação maior do habitat natural, assim como um melhor aproveitamento do terreno. Já as localidades que decidem pelo crescimento para os lados, expandindo os seus limites, precisam desembolsar mais recursos para levar serviços a essas novas comunidades, como energia, coleta de esgoto e tratamento de água e transporte público. Esse afastamento dos centros urbanos aumenta também a locomoção e o tempo que os indivíduos perdem para irem de suas moradias até o emprego ou para acessarem espaços de lazer, lojas, serviços, educação e saúde.
“Mesmo cidades europeias estão aderindo aos empreendimentos altos para suprir a demanda por residências em suas áreas históricas e gastar menos com infraestrutura em outros pontos. Elas fazem planos específicos para esses ambientes com o objetivo de conciliar essas novas edificações com as antigas”, relata o consultor. No Brasil, afirma Villanova, as normas sobre os coeficientes de aproveitamento acabam barrando a capacidade dos prédios reunirem muitos indivíduos. “Isso porque existe um limite para construir e os recuos e regramentos induzem à verticalização, mas não uma verticalização orgânica”, analisa.
Em um cenário de crescimento da população e do número de pessoas vivendo em regiões urbanas, os empreendimentos altos apresentam-se também como uma das alternativas para a disponibilidade de mais imóveis para suprir as atuais e futuras necessidades de unidades. O déficit habitacional no País chegou a 6 milhões de domicílios em 2022, de acordo com a Agência Brasil. Isso significa 8,3% do total de moradias ocupadas no território nacional. Os dados foram divulgados em abril deste ano pela Fundação João Pinheiro, instituição responsável pelo cálculo da escassez de residências na nação em parceria com a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades. Em comparação com 2019, foi registrado um incremento de cerca de 4,2% na falta de casas.
Estratégias para mitigar impactos dos edifícios altos
Entre as críticas mais ouvidas quando o assunto é esse tipo de prédio estão o aumento dos congestionamentos e a diminuição da iluminação solar e da ventilação. “É errado falar que os empreendimentos altos causam engarrafamentos. Isso acontece só aqui no Brasil, justamente porque essas construções estão espalhadas pelo território e não concentradas, o que faz com que os indivíduos precisem dos carros”, ressalta o consultor e pesquisador Luis Henrique Villanova. Ele compara que em Hong Kong, que tem uma das maiores concentrações de edifícios altos do mundo, 90% da população de mais de 7 milhões de pessoas usam o transporte público. “Claro que para isso o serviço precisa ser eficiente. Mas, ele só pode ser eficiente, com menos gastos, por causa dessa aglomeração de prédios”, esclarece.
Quanto aos reflexos dos empreendimentos altos na iluminação e ventilação, o consultor informa que são introduzidos afastamentos nas regras urbanísticas para tentar amenizar esses efeitos. “Mas, hoje, a gente sabe que não é só isso que ajuda, podem ser feitas outras medidas, como o escalonamento da forma (da construção) e pelo desempenho da construção no lote ou na quadra”, aponta. O escalonamento são os degraus na volumetria do edifício. Há ainda, segundo Villanova, lugares que utilizam envelopes solares para resolver a parte da iluminação – que são o maior volume que um prédio pode ocupar no terreno de forma a permitir o acesso ao sol e à luz natural para a vizinhança do entorno.
A arquitetura e a morfologia, pontua ele, têm como se adaptar para mitigar os problemas dos empreendimentos ligados a esses dois pontos. “Por sua dimensão, eles sempre vão ter um impacto, mas os seus benefícios de concentração de indivíduos e de serviços e menores deslocamentos acabam valendo a pena ter uma redução das horas de sol e da ventilação”, defende.
Verticalização e identidade dos prédios altos em debate
Sobre as discussões envolvendo a verticalização no Brasil, o pesquisador e consultor Luis Henrique Villanova lembra que elas são muitas e a maioria delas contrárias a esse movimento. “Porém, dificilmente as pessoas indicam soluções, a proposta é acabar com os edifícios altos”, assinala. Crítico da maneira como a verticalização ocorre no País, o consultor salienta que é preciso adaptar as legislações urbanísticas para que as vantagens desse formato de construção para os municípios possam aparecer, concentrando-os em vez de espalhá-los pelas localidades.
“Se amarrar esses empreendimentos ao contexto ao redor deles, com normas que deem um olhar para o térreo, para o embasamento que dê uma continuidade na rua e não apenas paredões esperando que outro prédio seja erguido, há soluções para esses edifícios. Tem que ter um desenho urbano a ser seguido”, acredita. Villanova conta também que no seu doutorado está estudando como a performance da construção na quadra pode não ser vinculada a regras preestabelecidas, mas a diretrizes que vão determinar as metas a serem alcançadas. A maneira como isso será atingido fica a critério do desenvolvedor, que deve comprovar que está cumprindo esses objetivos. Esses parâmetros, agrega ele, podem ser dados por arquitetos projetistas ou terceirizados que farão os levantamentos sobre iluminação solar, ventilação, de amarração ao cenário urbano e de compatibilização com prédios históricos.
Outro fator identificado por Villanova em suas pesquisas, iniciadas no mestrado, foi a ausência de uma identidade nos empreendimentos altos nacionais. “O Conselho de Edifícios Altos e Habitat Urbano (CTBUH) faz estudos anuais sobre o futuro dessas construções e um deles critica os prédios do pós-guerra, a partir de 1950, em estilo internacional, que são aquelas caixas pretas de vidro que estão pelo mundo inteiro, tem nos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Londres, Tóquio, São Paulo”, frisa.
O CTBUH declara que esses empreendimentos não tem uma identidade do local onde foram inseridos, nem ambiental ou culturalmente. “O Conselho trazia a ideia do prédio do século XXI retomar essa identidade perdida de cada região”, acrescenta. Em sua pesquisa, Villanova fez uma simulação tendo a capital gaúcha como base e acabou se aprofundando sobre a arquitetura nacional. “Vi que o (arquiteto e urbanista) Lúcio Costa, quando estava produzindo os conceitos da arquitetura moderna, falava dela procurar os traços da arquitetura vernacular feita no País, pelos Bandeirantes, que tinha muito a ver com o uso de brise-soleil, com venezianas e terraços, o que se traduziu como uma identidade para as construções”, detalha.
Para ele, o Edifício Itália, em São Paulo, é o arranha-céu que mais representa essa identidade da arquitetura brasileira e que foi totalmente perdida. “Depois começou a se fazer esses prédios de caixa de vidro e mais recentemente os neoclássicos. Um exemplo é Balneário Camboriú tentando imitar Dubai”, enfatiza. Diante desse panorama, Villanova questiona por que não se resgata uma identidade própria para não precisar ficar imitando o que é feito nas demais nações.
Um dos aspectos positivos dessa retomada, opina o consultor, seria que esses elementos que já fizeram parte da arquitetura do Brasil ajudam muito mais nos aspectos ambientais, como a utilização de brises para gerar sombreamento, do que simplesmente peles de vidro, que necessitam praticamente a toda hora a utilização de ar-condicionado. “Fora as questões de vegetação nas fachadas que são muito bem-vindas em nossos prédios. Somos um país tropical e vemos isso muito pouco”, conclui.
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