Colocar faixas de segurança, bancos em pontos de ônibus, parklets e delimitar áreas para as bicicletas nas ruas são algumas das iniciativas que vêm sendo realizadas por grupos de residentes para tornar os seus bairros e municípios lugares mais amigáveis, seguros e atrativos. Temporárias ou permanentes, medidas ocorrem mesmo sem autorização dos governos locais.
Cansados de esperar pela qualificação do ambiente urbano de suas cidades, moradores estão se mobilizando, arregaçando as mangas e juntando recursos para viabilizar por conta própria aperfeiçoamentos em diversas comunidades pelo mundo. De baixo custo e fáceis de serem implementadas, várias ações têm sido idealizadas por coletivos através do urbanismo de guerrilha. Sem pedir licença para as prefeituras ou aguardar a sua aprovação, indivíduos vêm elaborando intervenções para melhorar o dia a dia e inspirar transformações a longo prazo, detalha reportagem do Smart Cities Dive.
O urbanismo de guerrilha é um movimento popular que permite às pessoas recuperarem e remodelarem suas regiões e municípios, define o desenvolvedor imobiliário de Houston (Texas, EUA) e escritor Fernando Pages Ruiz em matéria do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU). Apesar de utilizar estratégias do urbanismo tático, – o de guerrilha difere dele porque desafia a estrutura de poder ao pedir “perdão em vez de permissão”, acrescenta a publicação. As duas abordagens promovem atividades criativas e de baixo orçamento, que podem ser efêmeras ou contínuas e ajudam a pressionar os órgãos públicos a concretizarem as qualificações necessárias nos espaços. No entanto, no urbanismo tático muitas dessas soluções contam com a aprovação das administrações locais ou são projetos encabeçados por elas.
A ação comunitária e a inovação que abrangem o urbanismo de guerrilha surgem, frequentemente, como uma resposta a falhas estruturais intencionais ou não nas cidades, complementa a especialista em marketing e comunicação Zanetta Jones em artigo para o canal de notícias Shareable. Para ela, os indivíduos são especialistas no que se refere às áreas que habitam e frequentam, com conhecimento sobre aquilo que funciona e o que precisa ser aprimorado, desde os problemas de segurança no trânsito, dificuldades de circulação, falta de mobiliário urbano e de lugares para o lazer até os lotes abandonados que podem ter novas funções e contribuir para aperfeiçoar as comunidades e a qualidade de vida de seus residentes e usuários.
Nesse sentido, coletivos estão colocando em práticas iniciativas como pintar faixas de pedestres e ciclovias em pontos com maior risco de acidentes, criar parques temporários, plantar jardins e hortas em terrenos baldios, instalar bancos em paradas de ônibus e parklets em vagas para carros, levar arte urbana para as ruas e outras medidas para deixar os ambientes mais convidativos, seguros e dinâmicos. Alguns urbanistas de guerrilha, segundo a reportagem do Smart Cities Dive, afirmam que o seu trabalho é necessário, pois os governos municipais não conseguem fornecer e manter infraestruturas em tempo hábil.
O fundador do grupo Chattanooga Urbanist Society (CUS), da localidade norte-americana de mesmo nome, Jon Jon Wesolowski, acredita que os cidadãos conseguem se reunir em torno de um objetivo comum quando há algo errado acontecendo no município em que moram. Ele cita como exemplo a priorização dos veículos em vez da segurança, das empresas e das pessoas que vivem em uma determinada região. A reação das gestões públicas às intervenções dos urbanistas de guerrilha oscilam entre a remoção da melhoria feita pela população, envio da polícia ao espaço e, em alguns casos, manutenção da benfeitoria. Integrantes desse movimento e especialistas entrevistados pelo Smart Cities Dive defendem que as prefeituras deveriam aproveitar essa oportunidade para entender as demandas por trás dessas atividades.
Essa seria, na opinião do chefe do departamento de Arquitetura da Universidade Nacional de Singapura e professor emérito da Universidade de Washington, Jeffrey Hou, uma chance para as administrações públicas envolverem a comunidade local na identificação das lacunas existentes nos serviços disponibilizados e na resolução dos problemas apontados. Pesquisador do urbanismo de guerrilha nos Estados Unidos e na Ásia Oriental, Hou salienta que as decisões sobre planejamento urbano são, em geral, tomadas pelas autoridades das cidades e que ainda há pouco reconhecimento da capacidade dos indivíduos de fazerem as coisas por conta própria. Wesolowski complementa que esse movimento deixa os seus participantes mais conscientes da sua comunidade e da área construída.
Já o professor-associado de arquitetura da Universidade de Buffalo (EUA), Conrad Kickert, argumenta que se as pessoas puderem modificar os ambientes coletivos à vontade, correm o risco de contornar o processo democrático, levantando dúvidas sobre quem é o responsável por esses lugares. Ele questiona também se o urbanismo de guerrilha é a maneira mais eficaz de solucionar dificuldades sistemáticas dos municípios. Contudo, Kickert comenta que há situações em que os projetos desses grupos tornam-se parte da política oficial. Algo que ocorreu em Detroit (Michigan, EUA) com a jardinagem urbana.
Com um índice de 30% das propriedades desocupadas e elevados níveis de insegurança alimentar, os habitantes da localidade começaram a fazer hortas em terrenos baldios e alguns dos integrantes dessa iniciativa organizaram-se em prol da agricultura urbana e de uma estratégia alimentar. Um dos líderes desses jardineiros de guerrilha virou o primeiro diretor de agricultura urbana de Detroit e depois diretor do Escritório de Sustentabilidade da cidade. E a CUS conseguiu a parceria da Agência de Planejamento Regional do Condado de Hamilton para implementar uma barreira de floreiras entre as faixas para as bicicletas e os automóveis em uma via que circunda Chattanooga, incrementando a proteção dos usuários. Para tirar essa medida do papel, o coletivo precisa encontrar financiamento privado.
Colocando em prática o “faça você mesmo”
Em Chattanooga, um município de cerca de 184 mil residentes no Tennessee (EUA), menos de 5% dos pontos de ônibus (56 paradas de 1,2 mil) têm bancos disponibilizados pela secretaria de transporte público local, informa o Chattanooga Urbanist Society (CUS). Diante desse cenário, integrantes do coletivo passaram a construir bancos de madeira para colocar nesses espaços. O grupo, formado em 2022, tem como missão deixar a cidade mais favorável aos pedestres. Até o começo de maio deste ano, eles já haviam instalado mais de 60 bancos pela área.
O fundador da CUS, Jon Jon Wesolowski, disse em entrevista para o Smart Cities Dives que o coletivo aceita solicitações de serviços da comunidade, seja para fazer um banco ou desobstruir uma calçada bloqueada por árvores após uma tempestade. Além disso, a organização também pretende iniciar a pintura de faixas para os indivíduos atravessarem cruzamentos de ruas com mais segurança. Ainda conforme Wesolowski, são poucas as intersecções de vias que possuem esse tipo de sinalização no município. Sobre a maneira como as ações do coletivo vêm sendo recebidas pelo governo local, o idealizador do Chattanooga Urbanist Society revela que o retorno foi positivo, com a manutenção dos bancos e a participação do prefeito na coleta de resíduos efetuada pelo CUS no Dia da Terra, em abril deste ano. Porém, quando o grupo pôs placas marcando os lugares onde aconteceram acidentes com pedestres, a gestão pública as retirou.
Em Coimbra (Portugal), jovens arquitetos e estudantes de arquitetura também se reuniram para conceber bancos para paradas de ônibus da localidade, relata matéria do jornal Público. O mobiliário urbano é útil tanto para quem espera pelo seu transporte como para aqueles que não encontram um ambiente para sentar, descansar enquanto caminha pela região ou apenas contemplar a paisagem. A iniciativa colabora para aperfeiçoar os espaços coletivos e ainda para levantar o debate sobre questões que envolvem o desenho da cidade, reforça a publicação.
Os bancos começaram a ser instalados em 2022, sempre à noite, em pontos onde não havia esses equipamentos. Nas estruturas, a única informação disponível é um QR Code que fica no tampo vermelho do mobiliário. De acordo com o jornal, o coletivo Zás, que está por trás dessa atividade, é composto por nove integrantes que se aliaram para buscar respostas para distintos problemas urbanos identificados por eles e suas medidas são experimentais e seguem o princípio do urbanismo de guerrilha de “avançar primeiro e perguntar depois”. Membros do grupo ouvidos pela reportagem assinalaram que essa estratégia possibilita fazer as coisas mais rápido e mostrar, mesmo que de forma temporária, as áreas em branco no município.
Eles observam que algo simples, como um banco no ponto de ônibus, pode jogar luz sobre quem são as pessoas mais afetadas pela ausência de lugares para sentar em Coimbra. Os participantes do Zás comentam que 90% dos usuários do mobiliário são idosos que ficam ali para ler um jornal ou apenas ver a movimentação. A escassez de ambientes de permanência foi a principal dificuldade levantada pelo coletivo na região. Os custos da operação são divididos entre o grupo e a madeira usada seria descartada pelo armazém local. A perspectiva dos integrantes é diversificar as ações, conseguir patrocínio para isso e causar um impacto mais duradouro.
Mobilidade e espaços de lazer são outros focos de atuação dos urbanistas de guerrilha
Intervenções em diferentes frentes também têm sido desencadeadas para garantir mais qualidade e segurança para os indivíduos aproveitarem as áreas urbanas e circularem pelas cidades. Ativistas da Bike East Bay, da Califórnia (EUA), por exemplo, implementaram três trechos protegidos para as bicicletas em San Leandro em menos de 24 horas. Utilizando suas próprias ferramentas, marcações e recursos – foram necessários 20 mil dólares – a organização sem fins lucrativos buscava com a solução o apoio da população para os projetos em andamento no município sobre segurança e equidade no trânsito e assegurar o financiamento da administração local para ciclovias permanentes, destaca artigo do Shareable.
Já o Crosswalk Collective LA pinta suas próprias faixas de pedestre desde 2022, agrega a reportagem do Smart Cities Dive. O grupo foi fundado, segundo matéria do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo, após uma pessoa ter morrido em um cruzamento sem sinalização. Depois de anos solicitando à prefeitura que o lugar recebesse a faixa, o coletivo foi lá e a fez. No site do Crosswalk Collective LA, os indivíduos podem sugerir pontos que precisam de sinalização. Um integrante da organização falou para o Smart Cities Dives que o governo de Los Angeles raramente nota as faixas de pedestres do grupo, mas quando isso ocorre, elas são apagadas.
Para esse participante, a rapidez com que a sinalização feita pelo coletivo foi removida pela gestão pública é uma prova de que eles podem agir com velocidade e não levar anos para avaliar e pintar uma faixa de pedestre. Em 2023, conforme a publicação, o número de mortes no trânsito na cidade californiana foi 81% maior do que em 2015. Outro fator salientado pelo integrante do grupo é que Los Angeles é, reconhecidamente, um município que prioriza os carros e que isso precisa ser revisto.
Na mesma localidade, o LA Open Acres mapeia terrenos baldios para transformá-los em parques e percursos para pedestres, descreve artigo do Shareable. Outro exemplo vem da cidade de Nova York, onde o Green Guerilla – coletivo de jardineiros urbanos e ativistas – compartilha conhecimento e incentiva os moradores a montarem hortas comunitárias e a cultivarem alimentos em suas varandas ou em ambientes não usados de propriedade da administração municipal. Na mesma linha, habitantes de um bairro de Houston se uniram para transformar um lote abandonado em uma região para o cultivo de vegetais frescos para a vizinhança. A atividade pode ser facilmente retirada caso o proprietário do imóvel exigir.
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