Diferentes fatores vêm tornando a aquisição de imóveis mais complexa para um público que hoje tem entre 20 e pouco mais de 40 anos. Mudanças culturais e no mercado de trabalho aliadas à falta de habitações, aos preços elevados e à inflação fazem com que muitos adiem a ideia de ter seu espaço.
“O déficit de residências pode afetar em torno de 1,6 bilhão de pessoas até 2025, projeta o Banco Mundial. Levantamento do Fórum Econômico Mundial sobre a crise imobiliária no planeta e as ações que podem ser adotadas para amenizá-la aponta ainda que a maioria dos países viu o custo da moradia crescer mais rápido do que a renda de suas populações. A escassez de terras, empréstimos, mão de obra e de materiais são alguns dos elementos que aumentam o problema de acesso à habitação, especialmente para as famílias de baixa renda.
Segundo a publicação, cerca de 96 mil novos imóveis populares precisariam ser construídos todos os dias para atender aos cerca de 3 bilhões de indivíduos que necessitarão de residência adequada até 2030. A esse cenário juntam-se outros aspectos que estão deixando a busca por uma unidade mais complicada para cidadãos de diversas idades e condições socioeconômicas, como a pouca disponibilidade de moradias, o alto valor das propriedades e dos aluguéis e as transformações comportamentais e na maneira de trabalhar que impactam as decisões profissionais e pessoais – e consequentemente as escolhas sobre como e onde viver.
É nesse contexto de barreiras financeiras e culturais que as gerações Y (nascidos entre o início da década de 1980 e 1995, mas conhecidos como millennials) e Z (nascidos entre 1996 e 2010) vêm tentando concretizar o sonho da casa própria. Para muitos adultos de 18 a 34 anos, a vida é mais difícil para eles do que era para os seus pais quando tinham a mesma idade, revelou a pesquisa “Juventude e Dinheiro nos Estados Unidos”, destacada pela revista Fortune. Do total de 1.039 entrevistados, 55% afirmaram que é muito mais complexo adquirir uma habitação atualmente, 44% declararam também que é mais complicado encontrar um trabalho e 55% responderam que ser promovido é outra tarefa bastante difícil.
A revista acrescenta que o preço médio de um imóvel nos Estados Unidos custava, em 2023, mais de 311 mil dólares, o que exige uma entrada padrão de 20%, aproximadamente 62 mil dólares – situação que acaba impedindo que as gerações millennials e Z, que é formada por quem está começando no mercado de trabalho e ainda por pré-adolescentes, comprem uma residência. Um estudo efetuado pelo Pew Research Center, laboratório de ideias sediado em Washington, D.C., identificou que somente 45% dos adultos na faixa etária de 18 a 34 anos são completamente independentes financeiramente de seus familiares.
O levantamento, que ouviu 1,5 mil integrantes da geração Z e mais de 3 mil pais de filhos adultos, verificou que os nascidos entre 1996 e 2010 são mais instruídos que seus parentes, mas estão contraindo muitas dívidas, o que deixa as conquistas (um lugar próprio ou casar ou ter filhos) mais complexas para eles, conforme matéria da revista Época Negócios. Esse panorama, de acordo com a diretora de pesquisa de tendências sociais do Pew Research Center, Kim Parker, é agravado pela falta de acesso à moradia e elevação da inflação que disparou os valores dos aluguéis e das propriedades nos Estados Unidos. Ela enfatizou que existem muitos desafios decorrentes do custo da habitação que acabam paralisando os jovens adultos.
Uma realidade que também é experimentada no Brasil, como detalha reportagem do jornal O Estado de São Paulo, com integrantes da geração Z expressando a sensação de ser mais complicado para eles a aquisição de bens de maior valor. Um estudo desenvolvido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), especialmente para o canal E-Investidor do Estadão, comparou o valor médio do metro quadrado no município de São Paulo. A referência foi um apartamento de dois quartos, com aproximadamente 70 metros quadrados, no bairro Pinheiros. Utilizando dados dos Índices FineZAP Histórico e FineZAP Residencial de Venda, o levantamento apurou um aumento no preço do metro quadrado de 1.126,3% entre junho de 1995 e junho de 2024.
Em 1995, quando iniciou a geração Z, esse tipo de imóvel custava cerca de R$ 71 mil e, corrigido pela inflação do período, o valor deveria ser hoje em dia de em torno de R$ 436 mil. No entanto, salienta a matéria, uma moradia com essas características está avaliada em R$ 879 mil em 2024. Esse incremento é resultado de uma série de fatores, como cita o Estadão, entre eles o crescimento das localidades em tamanho e população, carência de propriedades com preços viáveis e taxas para hipotecas altas. Ainda segundo o jornal, o crédito imobiliário, apesar de representar aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, está estagnado desde 2015, configurando-se um problema não apenas para os mais jovens.
Em um cenário de juros altos, resgates da caderneta de poupança e expansão do uso dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para outros objetivos que não a compra de habitação, o governo vem debatendo maneiras de ampliar a oferta de crédito e impedir que os financiamentos fiquem mais escassos. Hanne Lima, especialista em tendências da WGSN, empresa líder em projeção de comportamento e consumo, complementou em entrevista à Casa Vogue que há uma inflação no mercado imobiliário muito desproporcional à evolução dos salários, o que tornou mais caro adquirir uma residência agora do que na época dos baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964).
Mesmo assim, o desejo de comprar a casa própria permanece como o principal destino para o dinheiro de 37% dos nascidos depois da metade da década de 1990, conforme estudo realizado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), em parceria com o Datafolha, e divulgado em julho deste ano. Após a Covid-19, foi percebido pelos pesquisadores da Anbima um aumento da preferência dos indivíduos por utilizarem o dinheiro que tinham investido para viagens e lazer. Porém, em 2023 houve uma nova modificação e a aquisição de uma moradia voltou a ser a principal meta das pessoas, especialmente as mais jovens. Apesar dessa vontade, os elevados custos de vida e a falta de trabalho são os elementos que mais preocupam os cidadãos e dificultam a realização desse desejo, de acordo com relatório do IBGE de 2023. No ano passado, a taxa de desemprego entre indivíduos de 25 a 39 anos foi de 8,2%, já na faixa etária dos 40 aos 59 anos, esse parâmetro caiu para 5,6%.
Novos comportamentos ditam escolhas habitacionais das gerações millennial e Z
Além da situação econômica e do déficit de imóveis, o trabalho remoto, a maior preocupação ambiental, o menor interesse por carros e a preferência por investir seus recursos mais em experiências do que na compra de bens têm pesado nas decisões da população mais jovem sobre a aquisição ou não de uma unidade e de que tipo ela será. A especialista em tendências da WGSN, Hanne Lima, disse à revista Casa Vogue que a alteração nos estilos de vida e uma visão distinta da de seus pais e avós sobre posse exercem uma forte influência nos caminhos a serem seguidos pelos millennials e pela geração Z.
Ela pondera também que há um crescente número de funcionários remotos que não querem se fixar a longo prazo em um só local e de nômades digitais no mundo, o que torna o aluguel uma opção que faz mais sentido para esse grupo do que a compra de uma residência. A paternidade é outro aspecto que reflete nas escolhas dessas duas gerações, não somente na questão de ter uma casa, com muitos casais que não querem filhos ou que adiam essa ideia, agrega a sócia da imobiliária Refúgios Urbanos, Karen Siqueira. Um estudo do DataZAP, apresentado pela revista, mostra que o modelo híbrido de emprego continua prevalecendo entre os mais jovens, mesmo após a pandemia: 28% da geração Z entrevistada atua nesse formato e 32% dos Ys.
Lares multifuncionais, que geram sensações de prazer e bem-estar e disponibilizam espaço para o trabalho, são uma das tendências sobre habitações identificadas no levantamento “O Futuro do Morar”, feito pela Spark:off a pedido da companhia Dexco. As pessoas estão procurando, segundo a Casa Vogue, um lugar que permita a conexão, a reunião com amigos e familiares. Partindo da realidade da capital paulista, Karen aponta duas possibilidades de busca dos millennials: imóveis mais descolados, que prezam por áreas e coisas especiais, como uma pequena varanda ou um quintal para as plantas e pets, ou um perfil mais tradicional, que geralmente conta com alguma ajuda financeira dos pais e, por isso, precisa da aprovação deles para fechar o negócio.
Viver em bairros com uma multiplicidade de comodidades, como alternativas de restaurantes, cafés, serviços, comércio e lazer, é outro desejo da geração Y, assim como estar mais perto de seus amigos e familiares. Já os nascidos na segunda metade dos anos 1990 têm priorizado propriedades menores, conforme o Estadão. O jornal relata que especialistas em investimentos imobiliários observam uma demanda maior por apartamentos do tipo studio, como são chamadas as unidades com menos de 40 metros quadrados, em municípios como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo.
Esses empreendimentos, reforça a publicação, possuem como público principal indivíduos com idades entre 20 e 39 anos que procuram moradias próximas de amenidades e com localização estratégica. Dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais de São Paulo (Secovi-SP) demonstram que os studios saltaram de 561 unidades a R$ 8.094 por metro quadrado, em 2016, para 2.393 apartamentos a R$ 14.144 o metro quadrado em julho de 2024.
Como elevar a oferta de habitações nas cidades?
A menor disponibilidade de moradias aumenta o preço das propriedades e dos aluguéis, concluíram diferentes pesquisas elaboradas nas últimas décadas a partir de diversos contextos. Esses trabalhos confirmam que o princípio da oferta e demanda também se aplica ao setor imobiliário e que construir mais residências pode desacelerar o incremento dos valores das unidades e das locações. Dessa maneira, incentivar a edificação de mais habitações é uma das estratégias que muitos municípios estão colocando em prática para melhorar os seus estoques de moradias e facilitar o acesso aos imóveis.
O relatório do Fórum Econômico Mundial reuniu iniciativas que vêm sendo adotadas por vários países, entre eles o Japão. A instituição descreve que a nação oriental possui um histórico bem-sucedido de fornecimento de residências acessíveis, mesmo em suas grandes localidades. Isso é possível devido à definição de leis de planejamento e de zoneamento urbano mais simples e que promovem o uso misto na maioria das regiões de suas cidades. Nos Estados Unidos, alguns estados, como a Califórnia, e municípios, como Minneapolis (Minnesota), têm revisto suas regras de uso e ocupação do solo para liberar que mais propriedades multifamiliares sejam erguidas em bairros onde antes somente casas unifamiliares eram autorizadas.
Na Escócia, lista o Fórum Econômico Mundial, o governo federal projeta elevar a oferta de habitações até 2040 por meio de políticas que envolvem uma série de mecanismos de financiamento para que mais unidades acessíveis sejam edificadas. Por sua vez, a Índia está investindo em um novo sistema construtivo que utiliza painéis pré-fabricados para reduzir o custo de produção das moradias. Outras medidas destacadas abrangem o desenvolvimento de casas impressas em 3D na África, México, Índia e na Europa.
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