Com a meta de diminuir o trânsito na zona central da metrópole e arrecadar recursos para aperfeiçoar a infraestrutura de transporte público, Nova York é a primeira localidade dos Estados Unidos a cobrar uma tarifa de engarrafamento, seguindo o exemplo do que já é feito em Londres, Singapura e Estocolmo.
A
s horas perdidas pelas pessoas nos congestionamentos de Manhattan, em Nova York (EUA), custam cerca de 20 bilhões de dólares anualmente, conforme o site Streetsblog NYC. Além do tempo e dinheiro gastos no trânsito, os engarrafamentos aumentam a poluição ambiental – em torno de 15% das emissões de gases de efeito estufa são geradas pelo sistema de transporte mundial – e os riscos de acidentes e dificultam o acesso de uma parcela da sociedade a oportunidades de emprego e lazer. Para mitigar esses impactos, reduzir a circulação de carros e a duração das viagens na região central do município e tornar as ruas mais seguras, Nova York passou a cobrar uma taxa de congestionamento (também chamada de precificação do congestionamento) – o primeiro pedágio urbano com esse propósito nos Estados Unidos –, desde o dia 5 de janeiro.
A implementação da iniciativa ocorre cercada de debates políticos e legais, como destaca a Bloomberg, e quase duas décadas após a primeira tentativa realizada nesse sentido, que aconteceu em 2007. A maioria dos automóveis irá pagar 9 dólares para entrar no Distrito Comercial Central de Manhattan no horário de pico (das 5h às 21h em dias úteis e das 9h às 21h nos finais de semana), informa a prefeitura da cidade. A zona de alívio de engarrafamento abrange bairros como Chinatown, Wall Street e Times Square, indo da rua 60, no limite Sul do Central Park, até o extremo Sul da Ilha de Manhattan. Os valores arrecadados com a tarifa serão empregados pela Autoridade Metropolitana de Transportes (MTA, na sigla em inglês, órgão responsável pelo transporte coletivo no estado de Nova York) para aprimorar a infraestrutura para ônibus, metrô e trens urbanos.
A extensão do metrô da Segunda Avenida até o Harlem, a modernização da sinalização ferroviária e a melhoria na acessibilidade das estações de transporte público são algumas das medidas que devem ser concretizadas com os recursos da taxa de congestionamento. Essas ações irão beneficiar os aproximadamente 1,3 milhão de usuários que vão de ônibus ou metrô até seus empregos no Distrito Comercial Central de Manhattan, assim como incentivar que mais indivíduos deixem seus veículos em casa e adotem outra forma de locomoção. Dados do MTA indicam que somente 143 mil pessoas dirigem até essa área para trabalhar. O preço do pedágio foi estipulado pela governadora de Nova York, Kathy Hochul, em 15 dólares. No entanto, o valor foi considerado muito alto e diminuído para os atuais 9 dólares. Porém, já há a previsão dele ser elevado para 12 dólares em 2028 e para 15 dólares em 2031, adianta a Bloomberg.
A estimativa do MTA, relata o Streetsblog NYC, é de uma arrecadação de aproximadamente 500 milhões de dólares ao ano, valores que ajudarão o órgão a conseguir respaldo para solicitar empréstimos na ordem de 15 bilhões de dólares para obras de qualificação do sistema de transporte. Apesar das reclamações de moradores e comerciantes sobre a precificação do engarrafamento, o seu preço e a existência de outras cobranças para acessar a localidade, o governo municipal ressalta que será concedida uma série de descontos.
Os custos para os condutores irão variar de acordo com a hora do dia que eles entrarem no Distrito Comercial Central e se eles possuem o E-ZPass, que é um sistema de cobrança eletrônica de pedágios utilizado em muitos estados daquele país, explica a CNN. Carros de passageiros e comerciais de pequeno porte com o E-ZPass pagarão 9 dólares (uma vez ao dia) para acessar a região nos horários de pico, mas receberão créditos que vão de 1,5 dólares a 3 dólares se os motoristas já tiverem pago taxas em determinados túneis com destino a Manhattan, exemplifica a Bloomberg. Fora do horário comercial, a tarifa será de 2,25 dólares para esses automóveis. Já motocicletas com a tag do E-ZPass desembolsarão por dia 4,50 dólares (horário de pico) e 1,05 dólares (fora do pico), caminhões e ônibus de porte menor terão uma taxa de 14,40 dólares e 3,60 dólares, respectivamente, detalha o MTA.
Os passageiros que chegarem à zona de alívio de Nova York de Uber ou Lyft, empresas de aplicativos de transporte, pagarão 1,50 dólares a cada viagem, enquanto os usuários de táxi terão uma taxa de 75 centavos de dólares a cada vez que entrarem nessa área. A Bloomberg descreve também que haverá benefícios para condutores de baixa renda do distrito e isenções por invalidez para indivíduos que não contam com acesso ao transporte público. A administração da cidade alerta ainda que veículos sem o E-ZPass terão que desembolsar 50% a mais do que o valor do pedágio.
Primeiros resultados revelam acerto da estratégia
Após a semana inicial da precificação do congestionamento, a Autoridade Metropolitana de Transporte declarou que a ferramenta está funcionando, com uma queda no tráfego na região de 7,5%, o que equivale a cerca de 43 mil carros a menos por dia em comparação com o mesmo período de 2024, salienta a Associated Press (AP). Houve também uma redução no tempo de viagem entre Manhattan e Nova Jersey de 30% a 40%, registrada até 20 de janeiro, para quem acessou a localidade pela ponte George Washington e pelos túneis Holland e Lincoln, complementa a ABC News.
Uma pesquisa feita pela Bloomberg News analisou aproximadamente 75 mil automóveis que circularam pela zona de alívio nesse começo da tarifação do engarrafamento e identificou uma diminuição no número de veículos particulares na área, que antes representavam em torno de 40% do trânsito e depois do pedágio caíram para 34%. Os carros para alugar (entre eles Uber e Lyft) passaram de 24% do tráfego para 22% e os automóveis comerciais permaneceram na taxa de 20%. Já os táxis amarelos apresentaram um crescimento de 16% para 23%. As informações foram coletadas durante duas semanas em dezembro do ano passado, antes dos feriados, e na primeira semana e taxação do congestionamento. Foram mais de 100 horas de trânsito avaliadas entre às 8h e às 16h.
Mesmo com o retorno positivo que a solução vem mostrando, especialistas em tráfego observam que esses reflexos podem durar pouco por causa do “efeito rebote”. Segundo a Bloomberg, com a queda no tempo de viagem e aumento das velocidades, pessoas que anteriormente não utilizavam seus veículos para irem até essa região do município podem começar a fazê-lo, elevando novamente os engarrafamentos. Há ainda um receio que o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, encerre a precificação, sobre a qual já se posicionou contrário. A publicação reforça também que são necessários mais dados e tempo para apurar os reais efeitos da proposta.
Experiência de Londres é uma das mais conhecidas do mundo e referência para outras cidades
Ao completar 20 anos desde a sua instalação, a tarifa de congestionamento da capital inglesa colaborou para desencadear diversas mudanças na maneira como os indivíduos se movimentam pela localidade e acessam a sua área central. Lançada em 2003, a Zona de Alívio de Engarrafamento reduziu a quantidade de carros que se deslocam para essa parte de Londres, assim como obteve uma melhora na qualidade do ar. Informações do departamento de Transporte do município (Tfl, na sigla em inglês) demonstram que ocorreu uma diminuição dos congestionamentos de 30% e um incremento nas viagens de ônibus no Centro do município de 33%, possibilitando que as pessoas fizessem seus trajetos através de outros meios de locomoção, mais sustentáveis. A rede de ônibus da cidade foi expandida, com novas rotas e veículos extras, o que aumentou a confiança no serviço e, consequentemente, o número de passageiros.
Além disso, com a taxação do engarrafamento 10% de todos os percursos até a região central de Londres passaram a ser efetuados a pé, de bicicleta ou por meio do transporte coletivo, acrescenta o Tfl. Outra vantagem do pedágio urbano, conforme o departamento local, foi a queda na tendência de piora dos congestionamentos que outros municípios vêm registrando. Um cálculo feito pelo órgão assinala que haveria em torno de 3 milhões de viagens adicionais de automóveis pela capital inglesa em 2019 sem as alterações introduzidas pelo Tfl para impulsionar padrões de deslocamento menos impactantes ao meio ambiente. O departamento constatou também que a precificação do engarrafamento, em conjunto com outras iniciativas, foi essencial para garantir o crescimento sustentável da cidade.
Isso foi possível porque sem os altos níveis de tráfego as entregas se tornaram mais confiáveis, os atrasos dos ônibus foram mitigados e as ruas ficaram mais seguras para caminhar e pedalar, o que trouxe mais vitalidade e atratividade para a área central e para os seus negócios. Uma pesquisa elaborada pelo departamento de Transporte descobriu que, em 2019, aproximadamente 5 bilhões de libras esterlinas foram perdidas por causa dos congestionamentos. Após a definição da tarifa, a capital inglesa implementou a sua Zona de Emissão Ultrabaixa (Ulez, na sigla em inglês), dando um passo adiante no processo de diminuição das emissões de gases de efeito estufa. A primeira Ulez foi efetivada em 2019 e abrangia o mesmo território da região de engarrafamento.
Para entrar nessa área, uma taxa é cobrada dos carros que não atendem a uma série de critérios de emissões pré-definidos. A partir de 2021, a Ulez foi expandida para outros distritos londrinos, elevando os seus benefícios. Levantamento do Tfl aponta que essa modificação auxiliou a reduzir os índices de dióxido de nitrogênio presente na atmosfera em 46% no Centro de Londres. Em agosto de 2023, as Zonas de Emissões Ultrabaixas foram mais uma vez ampliadas, alcançando um espaço maior. A prefeitura lançou um programa para estimular os residentes de menor renda, com deficiência, instituições de caridade, comerciantes individuais e empresas com até dez funcionários a trocarem ou atualizarem seus veículos mais antigos e poluentes, oferecendo descontos em compras e aluguéis de bicicletas e em suas versões elétricas e de carga, automóveis e vans.
O que outras localidades estão fazendo para diminuir a circulação de carros nos seus centros?
Apenas o pedágio de congestionamento não é suficiente para fazer as pessoas adotarem uma nova forma de realizar suas viagens diárias, elas precisam ter uma oportunidade concreta para optar por caminhar, pedalar ou usar o transporte público em vez de seus veículos, argumentou o diretor-executivo da rede global de prefeitos C40 Cities, Mark Watts, em entrevista para a BBC. Ele citou o exemplo de Barcelona (Espanha), que introduziu o passe livre por três anos para quem trocasse o seu automóvel poluente por modelos mais sustentáveis, e de Estocolmo (Suécia), que possui um sistema de precificação dos engarrafamentos no mesmo molde do de Londres desde 2006 e ampliou o serviço de ônibus para atrair uma quantidade maior de usuários.
A publicação lembra também do projeto da prefeita de Paris (França), Anne Hidalgo, de proibir os carros movidos à gasolina até 2030, como das medidas para enfrentar as mudanças climáticas. A ação envolve também a idealização de calçadões, ciclovias, atividades educativas de trânsito nas ruas e restrições aos estacionamentos nas vias públicas. E apesar dos benefícios esperados com a solução, como a queda nas emissões de gases de efeito estufa, segurança no trânsito e ruas com mais espaço para os indivíduos, a proposta recebeu reações negativas.
A impopularidade com relação às alterações e a expansão das zonas de baixa emissão para a região metropolitana da capital francesa fez com que o governo municipal adotasse uma nova estratégia de comunicação e revisse os incentivos financeiros que serão dados para as pessoas deixarem seus veículos. Uma dessas vantagens, explica a BBC, é um subsídio de até 6 mil euros para aqueles que trocarem os seus automóveis poluentes por versões elétricas, a hidrogênio ou híbridos. Em Londres, afirma a publicação, a resistência às tarifas de congestionamento começou a reduzir quando foi divulgado que os valores arrecadados seriam aplicados no aprimoramento do transporte coletivo.
Apesar de se falar muito na capital inglesa quando o assunto é taxação dos engarrafamentos, Singapura foi pioneira em contar com esse tipo de solução, em 1975, segundo o site Smart Cities Dive. Inicialmente, o serviço funcionava com a cobrança de 1 dólar por carro com um ou dois indivíduos todas as vezes que eles acessavam o Distrito Comercial Central da cidade-estado na Ásia no período de pico matutino. Veículos com mais de três pessoas e caminhões eram isentos. O sistema segue até hoje bastante simples, necessitando apenas de um adesivo numerado colado no para-brisa.
Milão (Itália) é mais uma localidade a pôr em prática o pedágio urbano para tentar diminuir os congestionamentos no seu distrito comercial central e melhorar a qualidade do ar, meta principal do modelo criado. Para entrar na área, motoristas com automóveis poluentes pagam uma taxa, que varia de acordo com o dia e o horário de acesso. Depois do começo da precificação do engarrafamento em Nova York, relata a BBC, outros municípios passaram a debater o tema e pensam em seguir o mesmo caminho, como Boston (Massachusetts), que já propôs a definição de um comitê para discutir o preço da mobilidade e avaliar a cobrança de taxas de congestionamento.
Filadélfia (Pensilvânia) e Los Angeles (Califórnia) são outras cidades estão estudando a implementação de pedágios urbanos para qualificar o trânsito. Já o estado do Oregon está em fase de testes de um serviço mais abrangente para tarifar os carros, baseado na quilometragem percorrida.
Seja o primeiro a receber as próximas novidades!
Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.