Maior emissão de gás carbônico, congestionamentos, desvalorização das vias, perda de tempo e elevação do risco de acidentes são algumas consequências das vagas gratuitas em estacionamentos para veículos não contabilizadas pelos municípios e que impactam a vida de todos.
Localidades de diferentes portes e países vêm destinando em seus planejamentos urbanos extensas e nobres áreas para o estacionamento de automóveis sem cobrança – ou com tarifas abaixo das praticadas pelo mercado. Dessa forma, as ruas, em vez de serem lugares para as pessoas, tornam-se ambientes que privilegiam aqueles que dirigem, sem que haja compensações pelos problemas que a disponibilidade dessas vagas nas vias públicas traz para o meio ambiente, a saúde dos moradores, para a interação social e a economia desses municípios.
Estimativas apontam que, por exemplo, na cidade de Nova York (EUA) a quantidade de espaço viário reservada para estacionar carros equivale a 12 Central Parks (o parque em Manhattan tem 3,41 km² de área), revela reportagem do The Guardian. Além disso, a maioria das 4 milhões de vagas existentes nas ruas da metrópole são grátis. “O meio-fio é um dos terrenos mais valiosos do planeta”, declarou ao jornal o professor do Departamento de Planejamento Urbano da Universidade da Califórnia (Ucla), Donald Shoup. Segundo ele, um dos maiores erros de quem desenha as localidades é pegar algumas das regiões mais importantes dos municípios e entregá-las gratuitamente aos veículos.
Os reflexos dos estacionamentos não cobrados são muitos e podem, em grande parte das situações, passar despercebidos pelos residentes de uma cidade. Sejam motoristas ou não, todos os habitantes pagam para que essas vagas para automóveis sejam mantidas nas vias públicas. E não é apenas espaço privilegiado que eles ocupam, os pontos para deixar os carros influenciam fortemente na decisão dos indivíduos sobre como vão se deslocar. Pesquisas realizadas por Shoup, que é autor do livro “O Alto Custo do Estacionamento Grátis”, lançado em 2005, e especialista sobre o tema, assim como por outros estudiosos no assunto, asseguram que oferecer vagas gratuitas ou com preços subvalorizados fazem com que as pessoas prefiram circular em seus veículos, mesmo que haja opções de transporte coletivo qualificado.
O resultado disso são mais cidadãos dirigindo pelas ruas e, consequentemente, mais tráfego e aumento dos engarrafamentos e da poluição sonora e da atmosfera, com a liberação de um volume maior de gases de efeito estufa. A perda de tempo e de produtividade e o gasto mais elevado de combustível são outras implicações dos locais públicos grátis para estacionar. Levantamento efetuado por Shoup em um bairro de Los Angeles (Califórnia) descobriu que 68% dos condutores que estavam parados nos semáforos rodavam em busca de uma vaga para deixar o automóvel. “A perspectiva de conseguir um lugar grátis ou barato na rua faz com que os motoristas continuem em movimento”, afirmou o professor da Ucla ao The Guardian.
Shoup calculou ainda que em uma região de 15 quarteirões de Westwood Village, comunidade do município californiano, os condutores percorrem em torno de 950 mil milhas anualmente (mais de 1,5 milhão de quilômetros) só para achar um ponto para estacionar. Essa circulação, projetou ele, consome 47 mil galões de gasolina (177,9 mil litros) e emite 730 toneladas de gás carbônico ao ano. Essa procura tem outra consequência que é deixar os motoristas mais distraídos, o que eleva o risco de acidentes. Na matéria “Estacionamentos públicos gratuitos custam caro para as cidades e seus moradores”, publicada no nosso portal, há mais informações sobre essa questão.
A existência das vagas não pagas estimula também as vendas de carros. Conforme o The Guardian, uma pesquisa com quatro das maiores localidades da Holanda demonstrou que os custos mais altos dos estacionamentos nos centros urbanos diminuíram em cerca de 30% o registro de propriedade de veículos em comparação com o entorno dessas áreas. “Você pode reduzir a compra de automóveis de forma bastante significativa tornando o local de estacionar mais caro ou limitando a quantidade de vagas que você constrói”, disse ao jornal o cofundador da Coord, uma empresa de gerenciamento de calçadas com sede em Nova York, Jacob Baskin.
Em seu livro, Donald Shoup apresenta três recomendações para mudar o foco dado aos meios-fios, incentivando a criação de cidades para as pessoas: cobrar o preço justo de mercado pelos estacionamentos nas vias públicas, investir a receita obtida nos bairros onde ficam os parquímetros e remover os requisitos mínimos de garagem exigidos em leis urbanas de inúmeros municípios pelo mundo. De acordo com ele, essas medidas simples podem proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida de todos.
Washington D.C. aprova lei que irá ressarcir funcionários que não usam as vagas para carros de seus trabalhos
Enquanto algumas localidades continuam a insistir em planejamentos que colocam os veículos no centro das decisões urbanísticas, outras estão investindo em novas soluções, como é o caso de Washington D.C que, no início deste ano, aprovou uma legislação única que determina que companhias com 20 ou mais colaboradores paguem um valor mensal aos funcionários que escolherem não utilizar os estacionamentos disponibilizados por suas empresas, como informa reportagem do Streets Blog USA.
A iniciativa estimula o uso do transporte coletivo, das caronas compartilhadas e dos deslocamentos a pé e de bicicleta, reduzindo o número de automóveis nas ruas do distrito. A norma é baseada no modelo de “parking cash-out”, elaborado pelo professor da Ucla, Donald Shoup, através do qual a pessoa tem direito a um “saque” por mês que corresponde ao valor de mercado de uma vaga para carros nas vias públicas. Leis semelhantes já estão em vigor em nível estadual na Califórnia e Rhode Island, nos Estados Unidos, porém nesses lugares as regras se aplicam somente para companhias com 50 trabalhadores ou mais e contam com isenções para empresas em regiões que já têm boa qualidade de ar ou que não sejam atendidas por redes de transporte eficientes.
Apesar de ser apontada pela matéria como um avanço na qualificação das cidades, do tráfego e do meio ambiente, a legislação apresenta alguns pontos que precisam de alterações, como o fato dela beneficiar apenas os colaboradores que gastem uma parte do seu salário com locomoção – seja no transporte coletivo ou no aluguel de bicicletas, por exemplo. Essa particularidade acaba prejudicando quem opta por ir a pé até o seu trabalho. Mesmo precisando de ajustes, a norma traz um caminho para enfrentar as mudanças climáticas e atingir as metas de diminuição das emissões de gás carbônico até 2050, reforça a reportagem.
Estacionamentos inteligentes e pandemia mostram alternativas de usos do meio-fio
São Francisco, também na Califórnia, implementou um sistema para otimizar e precificar de maneira mais adequada as vagas para veículos em suas ruas. As tarifas são ajustadas de acordo com a demanda pelos espaços nas vias de uma determinada região, que é monitorada virtualmente. Os dados em tempo real sobre a utilização desses locais são enviados ao serviço SFPark, da agência municipal de Transporte da cidade (SFMTA), por meio dos sensores magnéticos sem fio instalados sob mais de 8 mil estacionamentos das cerca de 12,5 mil vagas públicas disponíveis e em parquímetros.
As informações ficam concentradas, em um primeiro momento, na rede mais próxima e, em seguida, são encaminhadas para uma central, que analisa onde estão os lugares desocupados a cada momento, e os resultados são usados para reajustar a cobrança das vagas nas ruas a partir da maior ou menor procura. Além de melhorar o trânsito, reduzindo os congestionamentos, a medida da prefeitura busca facilitar a tarefa dos condutores de achar um ponto para deixar seus automóveis.
Sobre o mecanismo de valores, ele opera por “Demand-Responsive Pricing” (preço que responde à demanda), podendo aumentar em US$ 0,25 nos quarteirões onde a ocupação média está acima de 80% e diminuir os mesmos US$ 0,25 naquelas áreas com menos de 60% de ocupação, conforme detalha o site do SFMTA. Os reajustes ocorrem, em geral, a cada trimestre. Para saber mais, acesse a matéria que fizemos no nosso portal: “Estacionamentos inteligentes: novos desafios para melhorar o uso dos meios-fios nas cidades”.
O projeto de São Francisco, iniciado em 2011 e que em 2017 colocou equipamentos de medição em 28 mil parquímetros, assim como o de Washington D.C., revela alternativas para as localidades modificarem a forma como utilizam os espaços urbanos, em especial aqueles que ficam em territórios valorizados dos municípios. O professor da Ucla, Donald Shoup, observou ainda na entrevista para o The Guardian que um estudo com moradores de Londres apurou que a principal escolha das pessoas para o uso dos meios-fios é o plantio de árvores, com o estacionamento ficando apenas em quinto lugar.
Além disso, a pandemia de coronavírus levou muitas localidades a reverem como utilizavam suas ruas. Com as restrições impostas pela Covid-19, legislações foram alteradas para permitir que vias ficassem fechadas para os carros e que os meios-fios fossem destinados para a instalação de parklets e de mesas, cadeiras e paisagismo de restaurantes e cafés. A solução possibilitou a sobrevivência desses estabelecimentos e a oferta de ambientes ao ar livre, e mais seguros, para a população. Em muitos lugares, essas mudanças vieram para ficar e as ruas desenhadas para pessoas se transformaram em algo mais comum nas cidades.
De acordo com o The Guardian, pátios, parklets e ciclovias que ocuparam as vagas para veículos nas vias durante a pandemia indicaram possíveis formas de usar os meios-fios, além do armazenamento de automóveis vazios. “Houve esse pequeno momento em que demonstramos que a perda do estacionamento talvez não tenha sido tão ruim quanto os cidadãos pensavam, e o ganho do pátio foi muito melhor do que eles imaginavam que seria”, afirmou ao jornal o diretor de Transporte da C40 Cities, Daniel Firth. O C40 Cities é uma rede com mais de 100 municípios no mundo que atuam para debater e enfrentar as mudanças climáticas.
A resistência de muitos empresários à conversão de vagas para carros em frente as suas lojas e negócios por medo de perder clientes também foi mencionada por Firth, que complementou que na maioria dos casos esses empreendedores superestimam a quantidade de indivíduos que utilizam seus veículos para fazer compras. Estudo feito na Alemanha verificou que mais de 50% das pessoas que consomem nesses locais vão a pé, de bicicleta ou de transporte público.
O diretor de Transporte da C40 Cities destaca outra pesquisa, esta realizada em Seattle (no estado de Washington, EUA), que apurou um crescimento de 5,4% na receita de vendas entre os restaurantes do centro da cidade depois que o horário de estacionamento pago foi estendido – o que levou a uma circulação maior de clientes indo e vindo. “Instintivamente, todo mundo pensa que se você se livrar das vagas gratuitas para automóveis os negócios vão morrer. Isso está errado”, enfatizou.
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