A Covid-19 acelerou mudanças que ainda impactam as localidades e suas áreas centrais. Mas, mesmo antes da pandemia, essas regiões já enfrentavam problemas sociais, econômicos e de falta de imóveis. Diferentes municípios estão buscando ações para tornar esses bairros vibrantes mais uma vez.
As restrições sanitárias e o êxodo urbano que marcaram o início da Covid-19 em muitas grandes cidades do mundo, com pessoas que tinham condições procurando casas maiores em subúrbios, em lugares com espaço ao ar livre ou em zonas rurais, deixaram os centros e distritos comerciais vazios e acentuaram as dificuldades já vivenciadas por esses ambientes. Passados quatro anos do começo da pandemia, essas localidades conseguiram se manter de pé e a saída dos seus residentes acabou se mostrando temporária, aponta matéria da Bloomberg. Agora, esses municípios tentam recuperar suas áreas centrais e se adaptar às modificações impulsionadas pelo coronavírus.
Segundo a publicação, os jovens voltaram às cidades para acessar os seus mercados de trabalho, suas comodidades, oportunidades sociais e aplicativos de namoro. Após alcançar uma elevação histórica de 17,8% em 2020, a população de 25 a 34 anos que morava com os pais nos Estados Unidos caiu para 15,6% em 2022. Nesse mesmo ano, exemplifica a Bloomberg, Manhattan (Nova York) ganhou em torno de 17, 5 mil habitantes, depois de registrar perdas significativas nos primeiros momentos da Covid-19, de acordo com o US Census Bureau. Outra tendência identificada naquele país é que a maioria das mudanças continua sendo local – com aproximadamente 60% delas ocorrendo dentro do mesmo território.
A movimentação de troca dos bairros mais centrais dos municípios por outras regiões mais afastadas durante a pandemia é vista pelo planejador urbano e consultor Brent Toderian como uma “quebra de contrato”. Em uma série de postagens no X (antigo Twitter), ele defende que todos aqueles que escolhem viver no centro das cidades trocam o quintal, a sala de televisão espaçosa e a dependência dos carros pelas amenidades existentes nesses lugares, as lojas, os serviços e os ambientes públicos – mesmo que isso signifique residir em imóveis menores.
O ex-planejador-chefe de Vancouver (Canadá) conta que ele e sua família também pensaram em ir para outra área menos central, mas que ao compararem os benefícios e as desvantagens dessa medida, optaram por ficar e o seu “contrato urbano voltou”. Pesou em sua decisão a liberdade de não precisar de um veículo para chegar a uma das várias mercearias perto de sua casa ou a um de seus restaurantes favoritos. “Esqueça as Cidades de 15 Minutos, estamos em uma Cidade de 5 Minutos. Somos hiperlocais e livres de automóveis”, escreveu.
Para Toderian, é a qualidade de vida, o dinamismo das áreas urbanas, que mantêm os indivíduos nessas regiões. “Uma das comodidades mais fáceis de criar é um lugar para as pessoas que antes era um espaço para os carros”, assinalou. E o desafio que muitos municípios enfrentam atualmente é exatamente como retomar esses ambientes e mitigar os seus problemas. Conforme a Bloomberg, um dos efeitos do coronavírus que se consolidou foi mais onde e como se trabalha do que as alterações geográficas de onde se mora. O home office ou o modelo híbrido, pontua a publicação, foi “devastador para os distritos comerciais centrais, mesmo que os centros urbanos estejam se reinventando”.
Apesar de algumas Big Techs, como a Amazon e a Tesla, já terem se posicionado pelo fim do sistema remoto, como relata matéria da Folha de São Paulo, a modificação na forma como os indivíduos se relacionam com os seus empregos foi transformada definitivamente, descreve a Bloomberg. A publicação complementa que, mesmo com essa modalidade permitindo que as pessoas executem suas atividades de qualquer lugar, as grandes cidades continuam sendo atrativas. Um estudo do American Enterprise Institute, de 2023, investigou a geografia do home office em 2019 e descobriu que os funcionários que atuavam em suas habitações estavam concentrados principalmente em partes densas dessas localidades.
Entre as razões para isso, citam os pesquisadores, estão a maior oferta de espaços de coworking, as comodidades disponibilizadas e os terceiros lugares, que são os ambientes em que os indivíduos socializam, se divertem, descansam e que não são a sua residência ou o trabalho. O levantamento conclui que, no futuro, as regiões urbanas ricas em amenidades continuarão a abrigar um índice representativo de pessoas que atuam remotamente. Além dessa mudança comportamental, acrescenta a Bloomberg, a Covid-19 teve reflexos no aumento nos preços das propriedades e dos aluguéis, afetando ainda mais na acessibilidade aos imóveis, o que vem impactando comunidades de todos os tamanhos e formatos – municípios grandes e pequenos, subúrbios e zonas rurais.
Uso misto, mais moradias e atividades ao longo do dia são iniciativas propostas para qualificar os centros urbanos
A revitalização das áreas centrais das cidades passa ainda pela busca por estratégias que atenuem a escassez de residências nesses bairros, os altos valores cobrados por elas, a falta de segurança em suas ruas e a queda no número de passageiros do transporte público, detalha o especialista em habitação, desenvolvimento econômico e uso do solo Andrew Trueblood, em artigo do Urban Institute. No que se refere às moradias, umas das ideias que vêm sendo difundidas para atingir esse objetivo é transformar os prédios de escritórios fechados desde a pandemia em imóveis acessíveis.
No entanto, Trueblood, que é membro do corpo docente visitante da Universidade de Georgetown (EUA), diz que essas conversões são, em geral, caras e insuficientes para lidar com os problemas das localidades. Ele acredita que para recuperar os centros urbanos é preciso dessa solução e também tornar esses espaços vibrantes novamente, resilientes e de uso misto – lugares que funcionem tanto para trabalhadores como para residentes e turistas. Trueblood explica que a alteração dos edifícios comerciais não é algo simples por causa do layout dos empreendimentos, que deixa mais difícil modificá-los para habitações, e que as leis de zoneamento, na maioria das situações, restringem essa ação ou exigem dos construtores a obtenção de isenções que são demoradas.
Rever as regras que estabelecem o uso e ocupação do solo é uma das ferramentas para incentivar que mais propriedades sejam erguidas nesses ambientes. O professor reforça que para atrair mais moradores para essas áreas é necessário ainda oferecer uma diversidade de serviços e comodidades, incluindo lojas, supermercados de bairro, restaurantes, bares, cafés e uma ampla gama de alternativas de entretenimento. Ele compartilha outras medidas que podem auxiliar os centros a se reinventarem, como o fomento para a idealização de mais espaços de artes, cultura, lazer e para o esporte. Os distritos culturais, ressalta Trueblood, podem ser ancorados por museus, teatros, cinemas e outras instituições desse segmento e também por lugares para a produção, como estúdios de arte, de música ou para transmissões.
Outra sugestão dada por Trueblood para alavancar o crescimento dessas regiões é viabilizar a instalação de campi universitários, como fez a Universidade Estadual do Arizona que implementou uma de suas estruturas no centro de Phoenix (Arizona, EUA) em um prédio de escritórios reformado. O Instituto Brookings, em conjunto com os municípios de Nova York, Seattle, Chicago e Filadélfia, está estudando políticas inovadoras em distintos setores que colaborem para a retomada e o futuro dos centros urbanos. A pesquisa abrange temas como a manutenção de pequenos negócios já existentes nessa parte das cidades e a atração de novos e diferentes comércios e serviços, qualificação da segurança pública, com foco em atividades preventivas, e o aumento do número de imóveis.
O instituto está reunindo também exemplos de estratégias para tornar os centros em destinos 24 horas por dia através das artes, de eventos, programações variadas e da concepção de ambientes para o entretenimento, brincadeiras, descanso e para aproveitar uma multiplicidade de opções gastronômicas. Por fim, a entidade está levantando como essas soluções podem ser postas em prática e as parcerias necessárias para sustentar a revitalização dessas áreas e que ações das iniciativas pública e privada podem suportar financeiramente essas atividades.
Conheça capitais brasileiras que estão investindo na recuperação de seus centros
Combinando a revitalização de edificações antigas com a definição de benefícios para conquistar novos condomínios residenciais, grandes localidades do País estão apostando em diversas medidas para trazer de volta o dinamismo e a relevância de seus espaços centrais, como destaca reportagem do O Globo. Segundo o jornal, ao menos sete capitais brasileiras estão, depois da pandemia, criando incentivos construtivos e isenções fiscais para atrair o mercado imobiliário: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE), Porto Alegre (RS), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG) e Manaus (AM). A escolha do foco habitacional para os centros desses municípios é baseada em motivos como a presença de infraestrutura, serviços e transporte público.
A publicação relata que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deve lançar um programa em parceria com prefeituras que possuem centros históricos para dar uso a prédios tombados que estejam vazios e que a ideia é fazer chamamentos públicos para que os interessados apresentem projetos culturais, comerciais ou de moradia. Salvador é uma das cidades que já possui um desses contratos para qualificar a sua região central e elevar a quantidade de residentes nesse bairro. No ano passado, a localidade lançou o Distrito Cultural do Centro Histórico que tem como meta aprimorar os seus ambientes e reverter a perda de habitantes das últimas décadas – quando a maioria dos lugares se voltou para o turismo.
Ainda de acordo com O Globo, a capital da Bahia tinha, em 2023, cerca de 1,5 mil imóveis vazios, subutilizados ou em ruína nessa área, o que representava um potencial para a edificação de em torno de 25 mil unidades. Desde a idealização do Distrito Cultural, outras estratégias para promover a construção de mais propriedades foram determinadas, como a destinação de 30 residências, no bairro Pilar, que irão virar 280 moradias para famílias que já vivem no Centro Histórico e estão em situação de risco e a atração de desenvolvedores imobiliários através da concessão de benefícios fiscais.
Complementando as políticas municipais, a prefeitura reformou ruas e espaços como o Terreiro de Jesus, o Elevador Lacerda, a Casa da História e o Mercado Modelo. Salvador planeja também para os próximos anos a implementação das Escolas de Restauro e Digital e do Mundo da Criança, um ambiente infantil projetado para a parte central da capital baiana.
Manaus, que é outro município a já ter firmado parceria com o Iphan, assim como Recife, tem a expectativa de aumentar a população da sua região central de 30 mil para 200 mil pessoas, por meio do programa Nosso Centro, diversificando a área que hoje é mais um destino de trabalho – funcionando especialmente em horário comercial, como salienta O Globo. Entre as soluções para levar mais habitantes para esse bairro e ampliar a oferta de atrações, a prefeitura elencou 38 intervenções necessárias, como a recuperação de vias públicas, a idealização do Museu do Porto e do complexo São Vicente e a reforma da Pinacoteca, assim como tem propostas para atrair o segmento imobiliário, gerar empregos, potencializar a sua economia e realizar melhorias urbanas, arquitetônicas e culturais nesse território.
O governo da cidade inaugurou, em 2024, o Píer Turístico, o mirante Lúcia Almeida (que tem mais de cinco mil metros de área construída, 58 metros de comprimento, quatro andares e alia artesanato, turismo, cultura e gastronomia), o largo de São Vicente e a restauração do casarão Thiago de Mello – estruturas que fazem parte do empreendimento São Vicente. Esse espaço da capital do Amazonas estava há algum tempo abandonado, degradado e com imóveis vazios. O investimento, conforme reportagem do g1, foi de mais de R$ 60 milhões.
Já Belo Horizonte possui uma realidade um pouco distinta das outras duas localidades, com um centro urbano que atrai o interesse do mercado imobiliário, com inúmeros novos condomínios sendo lançados. Para expandir a oferta de residências, de trabalho e de lazer nos ambientes centrais e diversificar mais os seus moradores e frequentadores, a prefeitura criou o Centro de Todo Mundo, informa O Globo. O ponto principal da iniciativa é a reforma dos espaços públicos.
Diferentes medidas de zeladoria urbana e de reforço da Guarda Municipal para garantir a segurança nos bairros centrais também estão previstas dentro do projeto, assim como a recuperação do conjunto histórico da Avenida Bernardo Monteiro, Praça da Independência, mercado das flores e conclusão de uma área multiuso no parque Américo Renné Giannetti. O desafio da prefeitura da capital de Minas Gerais, indica o jornal, é equilibrar várias demandas, como mobilidade, patrimônio e adensamento.
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